BRICS impulsiona uma nova arquitetura financeira contra abusos do FMI e Banco Mundial
Durante a cúpula do grupo, Lula propõe reforma de Bretton Woods e especialistas apontam que a única alternativa é criar novas instituições
247 – Durante a Cúpula dos BRICS realizada nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez duras críticas ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, denunciando a atuação dessas instituições como agravante das crises econômicas em países em desenvolvimento. A cobertura é da Sputnik Brasil, que ouviu economistas latino-americanos sobre os limites do atual sistema e as alternativas em construção.
"As estruturas do Banco Mundial e do FMI sustentam um Plano Marshall às avessas, no qual as economias emergentes e em desenvolvimento financiam as necessidades dos países mais ricos", declarou Lula. Para o presidente, os BRICS — bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — deveriam ter uma participação proporcional ao seu peso econômico no FMI, com pelo menos 25% dos votos, acima dos atuais 18%.
Lula defendeu uma reforma das instituições criadas em Bretton Woods, há 80 anos, em favor de um "novo tipo de financiamento" que priorize os países do Sul Global. No entanto, diversos especialistas ouvidos pela Sputnik consideram essa reforma praticamente impossível, dado o controle dos Estados Unidos sobre esses organismos multilaterais — controle esse mantido pelo veto automático que Washington detém.
Sistema travado pelo veto norte-americano
O economista peruano Óscar Ugarteche Galarza lembra que FMI e Banco Mundial são as únicas organizações internacionais onde os EUA possuem poder de veto. "Se esse comitê [Subcomitê de Segurança Nacional, Financiamento Ilícito e Organismos Financeiros Internacionais da Câmara dos Representantes] não aprova a reforma, ela não acontece. E nenhum congressista norte-americano vai votar algo que reduza a influência de Washington nesses organismos. Isso simplesmente não vai acontecer", afirma.
Já Raúl Guillermo Ornelas Bernal, doutor em Economia Mundial pela Universidade de Paris X Nanterre, acredita que o sistema de Bretton Woods é, na prática, "irreformável", pois sustenta-se na hegemonia do dólar e nos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. "Há uma questão de poder muito forte. Isso não é apenas uma questão de vontade", disse.
Ornelas observa ainda que as instituições têm servido, historicamente, aos interesses de Washington e seus aliados, o que bloqueia qualquer tentativa de reconfiguração. A situação se mantém mesmo sob a liderança de Donald Trump, que reassumiu a presidência dos Estados Unidos em 2025.
Caminho passa pela desdolarização e novas instituições
Diante do impasse estrutural, especialistas apontam que a única saída viável é a construção de uma nova arquitetura financeira internacional, desvinculada do dólar e do controle norte-americano. Oscar Rojas, doutor em Economia pela UNAM, é categórico: "O sistema de Bretton Woods não pode ser reformado, porque foi feito à imagem e semelhança do monopólio do dólar".
Para ele, é necessário criar instituições de "nova geração", que promovam a interconexão entre economias utilizando moedas locais. Rojas também enfatiza a importância de se romper com a hegemonia narrativa imposta pelo Ocidente: "É preciso mudar a visão histórica para que possamos mudar as instituições e políticas econômicas", afirma.
Ugarteche reforça que o processo atual lembra a transição entre o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), criado após a Primeira Guerra Mundial, e o próprio FMI, que o substituiu como protagonista no pós-Segunda Guerra. Segundo ele, o Fundo pode ter o mesmo destino: "um centro estatístico". De acordo com o economista, o FMI estava praticamente inativo até a crise de 2008, quando foi reanimado artificialmente.
BRICS e China já constroem alternativas
Os analistas destacam que os BRICS e, especialmente, a China já estão criando os alicerces dessa nova arquitetura. Mecanismos como os swaps cambiais entre o Banco Central da China e outros países têm permitido pagamentos sem o uso do dólar, ocupando o espaço que antes era exclusivo do FMI.
Outro elemento citado é o Cross-Border Interbank Payment System (CIPS), sistema de pagamentos interbancários criado pela China, que começa a rivalizar com o SWIFT — ferramenta ocidental tradicional. Além disso, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), liderado atualmente pelo Brasil, opera como uma alternativa direta às instituições de Bretton Woods. A inspiração vem do Banco do Sul, idealizado há anos por países latino-americanos.
Segundo Ugarteche, as sanções unilaterais e tarifas comerciais impostas pelos EUA a países considerados adversários têm acelerado esse processo. "Estão sendo usadas ferramentas não apenas não convencionais, mas ilegítimas, para fazer guerra contra quem os EUA consideram seus inimigos. A alternativa é uma nova arquitetura onde essas sanções não tenham efeito algum", explica.
O papel do Brasil no novo sistema
Para os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, o discurso de Lula reforça a estratégia diplomática de liderança do Brasil nesse novo cenário. Mesmo que a retórica oficial aponte para reformas no FMI e no Banco Mundial, o país tem um papel central na construção prática de mecanismos alternativos — especialmente por meio do NBD.
"Esse é o caminho que está sendo traçado com a nova arquitetura financeira. E, nesse sentido, o discurso de Lula é político: ele diz que é preciso reformar o que não pode ser reformado, enquanto o próprio Brasil lidera o Novo Banco de Desenvolvimento como alternativa frente aos abusos do Banco Mundial e do FMI", conclui Ugarteche.
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