Consenso no BRICS fortalece voz do Sul Global e desafia hegemonia ocidental, avalia especialista
Declaração de Líderes da cúpula no Rio une países em torno da defesa do multilateralismo, do direito internacional e da reforma da ONU
247 – A Declaração de Líderes divulgada neste domingo (6) pela cúpula do BRICS, realizada no Rio de Janeiro, consolidou um amplo consenso político entre os países participantes, reforçando a união do Sul Global diante do sistema internacional dominado pelas potências ocidentais. O documento, com 126 pontos, aborda temas sensíveis como segurança, economia, sanções, reforma da ONU e governança global.
Em entrevista concedida à Sputnik Brasil, o cientista político Diego Pautasso, doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destacou que a ampliação do BRICS — agora com 11 membros plenos e dez países parceiros — não comprometeu a coesão política do grupo. “A ampliação do BRICS não se transformou em um impeditivo para a criação de um documento com 126 pontos e com uma direção política, que é nitidamente de produzir um contraponto à hegemonia dos Estados Unidos e de seus aliados”, afirmou.
Segundo Pautasso, a Declaração reafirma o compromisso do BRICS com a criação de alternativas institucionais e com a promoção da cooperação entre os países em desenvolvimento. “Criar alternativas de reforma do sistema internacional, inovações institucionais que permitam ao Sul Global produzir cooperação nos seus mais variados âmbitos — acho que esse é o grande ponto.”
Apesar de o BRICS ser frequentemente retratado como “anti-ocidental” ou “anti-sistema” pela imprensa tradicional, Pautasso argumenta que o documento revela um posicionamento mais equilibrado e diplomático, voltado à resolução pacífica de controvérsias e à valorização do direito internacional. “É evidente a defesa da governança mundial, do direito internacional e da solidez das organizações internacionais como mediadoras das principais questões.”
No entanto, o cientista político pondera que o texto representa mais uma sinalização política do que uma transformação imediata da realidade: “Declarações como a de hoje representam uma sinalização, mas não são a própria realidade. Isso é da natureza política — tanto a heterogeneidade quanto as divergências, quanto a necessidade de forjar convergência em pontos básicos.”
Um dos pontos centrais da Declaração foi a proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU, com o objetivo de torná-lo mais “democrático, representativo, eficaz e eficiente”. O texto cita nominalmente o Brasil e a Índia como candidatos à ampliação do órgão — uma posição já expressa em cúpulas anteriores. Para Pautasso, essa demanda está ancorada na constatação de que o atual modelo da ONU “não corresponde mais à realidade das forças materiais” globais.
No entanto, o especialista observa que o documento não entra em detalhes sobre possíveis mudanças na estrutura de poder de veto, atualmente exclusiva dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia). “Ali não está claro necessariamente qual reforma nem o que isso implicaria na mudança do sistema de veto exclusivo dos cinco países.”
Outro trecho importante da Declaração diz respeito à rejeição das sanções econômicas unilaterais e secundárias, as quais o grupo afirma ter “implicações negativas de longo alcance para os direitos humanos”. Embora esse tema afete diretamente a Rússia — sancionada duramente desde 2022 por Estados Unidos e União Europeia —, Pautasso argumenta que a preocupação é coletiva: “Os países sabem que, em determinado momento, [as sanções] podem voltar contra si. É um elemento de desestabilização do sistema internacional e de enfraquecimento da governança mundial.”
O cientista político também destacou a postura tradicional do Brasil em relação ao direito internacional, ressaltando que o Itamaraty costuma adotar posições firmes em defesa da diplomacia e do multilateralismo. “Embora o Brasil tenha sido um país que busca não alinhamentos automáticos, também costuma ser muito enfático na defesa do direito internacional e das organizações internacionais”, afirmou, citando como exemplo a oposição brasileira à agressão ao Irã e o apoio histórico à causa palestina.
Pautasso também comentou a ausência do presidente chinês Xi Jinping na cúpula, interpretada por parte da imprensa como sinal de desinteresse. Para ele, essa leitura é precipitada. “O alto escalão do governo chinês, na presença do primeiro-ministro Li Qiang, demonstra que o BRICS é de grande importância para a China. Então é muito pouco provável que a China queira desidratar ou fragilizar uma das suas organizações-chave.”
Ele contextualiza a atuação do BRICS dentro de um processo histórico mais amplo: “O BRICS é uma expressão de emergência do Sul Global e é um processo que remonta à origem do Terceiro Mundo, ao Movimento dos Países Não Alinhados. […] Fatos isolados, embora tenham sua importância, não podem ser superestimados.”
A Declaração de Líderes divulgada no Rio confirma o compromisso do BRICS com um novo paradigma de governança internacional — mais inclusivo, mais democrático e centrado no multilateralismo efetivo. Ao consolidar sua expansão e reafirmar valores comuns, o grupo amplia sua capacidade de articulação como força coletiva na redefinição da ordem global.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: