Estudo aponta que pejotização criará déficit gigantesco na Previdência
Com alíquota de apenas 5%, regime do MEI poderá causar rombo de quase R$ 1 trilhão, segundo projeções do economista Rogério Nagamine
247 – A proliferação do regime de Microempreendedor Individual (MEI), símbolo da pejotização das relações de trabalho no Brasil, já contratou um déficit atuarial de R$ 711 bilhões para a Previdência Social, em valores atuais. Caso se projete um crescimento real do salário mínimo de 1% ao ano, o rombo sobe para impressionantes R$ 974 bilhões. A estimativa é do economista Rogério Nagamine, ex-subsecretário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), em estudo publicado pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre e divulgado em reportagem da Folha de S.Paulo.
“O MEI, do ponto de vista estrutural, é uma bomba previdenciária”, afirmou Nagamine à Folha. Criado para formalizar o trabalho de autônomos e pequenos empreendedores, o regime do MEI exige contribuição de apenas 5% sobre o salário mínimo — valor considerado insuficiente para custear os benefícios futuros pagos pelo INSS. A modalidade já responde por quase 12% dos contribuintes da Previdência, mas gera apenas 1% da arrecadação.
O número de microempreendedores individuais saltou de 44 mil, no fim de 2009, para 16,2 milhões em junho de 2025. Apesar da inclusão de trabalhadores que estariam à margem do sistema previdenciário, a distorção fiscal é crescente. “Se você tem contribuição de 5% por 180 meses, que é o mínimo para se aposentar por idade, o trabalhador vai desembolsar R$ 18 mil e depois vai receber um salário mínimo para o resto da vida. Em um ano ele recebe de volta o que pagou”, explicou Adriane Bramante, conselheira da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Para Bramante, o MEI foi importante para incluir os mais pobres no sistema, já que a categoria de contribuinte facultativo é mais restritiva. Ainda assim, ela reconhece os danos ao equilíbrio do sistema: “Há um desvio de conduta, isso realmente está errado. Tem pessoas que não conseguem fazer plano de saúde como pessoa física porque os planos não aceitam mais. Então elas abrem um MEI para ter um plano.”
Além do impacto fiscal, o estudo aponta que o MEI tem distorcido o mercado de trabalho formal. Muitos empregadores estariam substituindo contratos celetistas pela contratação de prestadores de serviço registrados como MEI. Profissões como cabeleireiros, manicures e esteticistas lideram a transição, impulsionadas pela chamada Lei do Salão Parceiro, que formaliza essas parcerias sem vínculo empregatício. “Tem também muitas ocupações de curso superior. Vejo faculdade privada que está parando de contratar professor com carteira e pegando MEI”, relatou Nagamine.
O problema pode se agravar com propostas em debate no Congresso, que visam ampliar o limite de faturamento dos MEIs dos atuais R$ 81 mil para até R$ 130 mil, e permitir a contratação de mais um funcionário. O pesquisador alerta que esse movimento tende a se intensificar em anos eleitorais, ampliando o desequilíbrio já em curso. Ele estima que, em 70 anos, o déficit acumulado com o regime poderá chegar a R$ 1,9 trilhão.
Nagamine também contesta a tese de que é melhor o trabalhador contribuir pouco do que depender do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Embora o BPC não gere arrecadação, ele não inclui benefícios como 13º salário, pensão por morte, auxílio-doença e salário-maternidade, o que limita os gastos públicos. O MEI, por outro lado, dá direito a todos esses auxílios com base em uma contribuição ínfima. “Por isso, o aumento da despesa pode até ser maior do que a pequena arrecadação que o MEI gera”, conclui o pesquisador.
Apesar das conclusões alarmantes, os ministérios da Previdência Social e do Empreendedorismo não se manifestaram sobre o estudo até a publicação da matéria. O debate sobre a sustentabilidade da Previdência em tempos de envelhecimento populacional, informalidade e pejotização segue em aberto.
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