A relação entre o dedo mindinho, nossas cabeças e o cyborg individualizado
Uso excessivo do celular deforma o corpo, molda o cérebro e acelera a transformação cultural rumo ao modelo homem-máquina individualizado
A deformação do dedo mindinho pelo uso sistemático do celular é uma comprovação de que, sem perceber (?), a humanidade avançou para o modelo homem-máquina (cyborg), com a tecnologia funcionando como extensão das capacidades do humano — uma espécie de “homo technologicus” [1].
De forma geral, o uso intensificado do celular e sua tela por cerca de 8, 10 ou 12 horas por dia para comunicação familiar, de trabalho, social e/ou lazer reforça a ideia de como a expansão desse modelo já atua fortemente sobre o nosso cérebro, sobre a forma como nos entendemos como gente e também sobre nossa posição no mundo.
Essa é uma constatação que espanta. Porém, deveria causar ainda mais espanto o fato de esse processo estar transformando nossa cultura e nossa ideologia sem que, em geral, queiramos enxergar isso de forma crítica.
Entendo que não caiba falar em maldição da tecnologia — embora ela nunca seja neutra. O uso e o controle, em especial da tecnologia digital (incluindo a IA), estão produzindo transformações profundas nas relações sociais e nas relações de poder.
Não parece se tratar apenas de uma onda provocada por uma nova tecnologia, como aconteceu com o trem, a eletricidade, o carro, a telefonia etc. São várias transformações simultâneas: telefonia móvel, internet, comunicação online 24/7, plataformas/aplicativos, mídias sociais, inteligência artificial — tudo isso parece atingir a sociedade de forma mais profunda. As pessoas estão conversando e já são “íntimas” das IAs que agem por toda parte, em produtos, serviços e dispositivos que usamos diariamente sem sequer perceber.
Penso que esse vagalhão de inovações tecnológicas sobrepostas deveria nos levar a repensar a administração do uso conjunto dessas ferramentas da tecnologia digital. Considero que poderíamos avaliar melhor e absorver apenas aquilo que se apresenta como positivo, relativizando ou descartando o que já demonstra ser danoso.
Nesse percurso, há questões e decisões de ordem coletiva que precisam ser implantadas, como a imposição de regras e regulações. Outras podem ser encaminhadas como resoluções individuais em diversas dimensões — desde formas e tempo de uso até tratamentos psicológicos e/ou psiquiátricos.
Além disso, parece que já passou da hora de buscarmos formas de revalorizar as relações físicas entre os humanos, porque é a partir do convívio com o outro que nos enxergamos como sujeitos e como parte de um contexto de relações sociais.
Observamos várias manifestações de preocupação e algumas boas iniciativas no sentido de repensar essa realidade. A proibição do uso do celular em sala de aula é uma delas, mas é preciso ir muito além. As mídias sociais, controladas pelas big techs, precisam urgentemente de regras claras e firmes.
Porém, volto ao início: o fato de já termos nos transformado numa espécie de cyborg pode ser menos importante, desde que enxerguemos que a nossa parte humana ainda mantém a empatia e a indispensável virtude da solidariedade — o extremo oposto da individualização que esse “modelão” vem nos impondo no cotidiano acelerado.
A vida pós-moderna contemporânea tem sido um emaranhado labiríntico, em que a racionalidade neoliberal se impõe, produzindo em larga escala esse sujeito que se faz e vive por e para si próprio. Talvez isso explique, em boa parte, o sentimento de tédio e ansiedade que cerca grande parcela da sociedade contemporânea.
Entender as causas desses sentimentos, seus significados e suas consequências pode nos ajudar a avançar em alternativas coletivas — para além dos recursos e tratamentos individuais que negam as causas coletivas do realismo capitalista [2].
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: