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Fernando Horta

Fernando Horta é historiador

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A guerra secreta de Donald Trump, e o raquitismo do BRICS

Trump aposta que o BRICS não existe de fato e não tem musculatura nem vontade de se fazer parte constitutiva de uma nova ordem

O presidente dos EUA, Donald Trump, chega a um jantar para chefes de estado e de governo da OTAN oferecido pelo rei holandês Willem-Alexander e pela rainha holandesa Máxima, à margem de uma cúpula da OTAN, no Palácio Huis ten Bosch em Haia, Holanda, em 24 de junho de 2025 (Foto: REUTERS/Christian Hartmann)

Nos últimos quatro dias todo historiador, cientista político ou mesmo um cidadão preocupado deve ter assistido a algumas dezenas de horas de análises sobre a situação caótica das relações internacionais após o que se está chamando de “Guerra dos doze dias” entre Israel e EUA e o Irã. De todas as análises que vi nenhum citou um fato intrigante: nos últimos 30 dias, Donald Trump atacou todos os integrantes do BRICS. Utilizando ferramentas de ataque diferentes, o presidente norte-americano fustigou a todos os países originários do BRICS e alguns de sua versão estendida.

No início de junho, Trump afirmou que haveria um “genocídio sobre populações brancas” na África do Sul, oferecendo acolhimento às elites brancas e ricas “perseguidas” e denunciando o governo sul africano como perpetrador de medidas cujo objetivo seriam despojar as populações brancas de seus direitos. Isso não apenas questiona a África do Sul como país legítimo para postular ações contra genocídios no mundo (como eles fizeram em relação à Israel), como também toca no ponto simbólico essencial de consolidação do atual estado sul africano. A “denúncia” de Trump sobre a violência que os Afrikaneers estariam sofrendo é risível, mas serve de ferramenta de questionamento da legitimidade essencial daquela sociedade.

Em seguida, Trump passou a atacar o sistema jurídico brasileiro, ameaçando nossa soberania a partir dos ataques à figura do ministro Alexandre de Moraes. A discussão parece ser travestida de “defesa da liberdade de expressão”, mas, em realidade, é uma defesa dos mecanismos de expropriação de dados das bigtechs americanas e uma forma de atacar outro membro do BRICS. Há inclusive a chance de medidas reais contra o direito de ir e vir de um ministro da suprema corte brasileira o que deverá ensejar medidas brasileiras contra isso. De qualquer sorte, há o questionamento da própria forma de operação do Estado brasileiro e sua soberania sobre o seu território (digital).

Contra a China, os ataques foram mais espalhafatosos. Houve sim o aumento das incursões militares ao mar da China (denunciadas por Pequim como “provocadoras”), mas também um cerco tecnológico e uma guerra tarifária ao país. Trump proibiu que empresas como a NVIDIA e a SAMSUNG vendessem tecnologia para a China enquanto tentava prejudicar o comércio daquele país a partir de uma guerra tarifária. Se é verdade que parece que a guerra tarifária repicou e atacou o próprio Trump, o cerco tecnológico impõe sim à China uma redução na velocidade do seu desenvolvimento.

Contra a Rússia, Trump usou a Ucrânia. A cinematográfica operação de uso de drones para explodir quase 20% dos bombardeiros nucleares russos, estacionados em bases ao norte do país, não poderia ter ocorrido sem ajuda de inteligência e materiais dos EUA. No fim a chamada “operação Spider Web” foi uma ação militar norte americana por intermédio de um regime proxy (a Ucrânia) sobre mais um membro do BRICS. Apesar das imensas perdas materiais, Putin optou por minimizar os efeitos do ataque para não entregar também a vitória simbólica, neste caso, à Ucrânia ou aos EUA.

O último desses ataques foi a Guerra contra o Irã. Se os EUA realmente entraram na guerra ou se fizeram um bombardeio “pirotécnico” permanece como questão a ser debatida. O mesmo ocorre com os resultados da ação. Se o regime nuclear iraniano foi afetado e em que grau ocorreu nós nunca vamos saber ao certo. Essas informações são por demais sensíveis para serem tratadas como verdade seja pela fonte que se quiser usar. O consenso é que Israel, se queria reduzir as chances de seus inimigos desenvolverem artefatos nucleares, fracassou fragorosamente. O mundo hoje é muito mais inseguro do que estava há 12 dias atrás. Aliás, é possível que agora haja uma corrida pelo desenvolvimento de armas nucleares que parecem ser, aos olhos do senso comum, a causa da manutenção do regime da Coréia do Norte e mesmo do Paquistão.

Seja como for, TODOS os países do BRICS foram atacados por algum meio nos últimos 30 dias, com os EUA estando ligado direta ou indiretamente a todos os eventos dos ataques. Com a reunião dos BRICS se aproximando (tendo data no início de julho), Putin avisou que não vem ao Brasil “por falta de clareza da posição do país” frente às ordens do Tribunal Penal Internacional (que por pressão europeia e norte americana lançou ordem de prisão contra o presidente russo). Ainda, Xi Jinping declarou que também não comparecerá à reunião no Brasil, colocando de forma clara a insatisfação desses países com a posição brasileira.

De fato, desde o início do governo Lula há duas ideias sobre o BRICS em disputa. Uma, oriunda das expectativas de China e Rússia de serem sim uma alternativa política e também institucional à ordem de Bretton Woods e outra ideia, defendida pelo presidente Lula, de os BRICS como uma instância negocial a operar uma transição geopolítica “gentil” mais do que um espaço de confrontação com a ordem liberal de EUA e Inglaterra. Enquanto China e Rússia, por exemplo, esperavam que o Brasil indicasse a Venezuela para fazer parte do BRICS, o indicado foi a Argentina que – com Milei – ainda desdenhou o bloco. Putin apontou isso como um erro a ser reparado e claramente demonstrou sua inconformidade à delegação brasileira.

No meio dessa confusão, Trump aposta que o BRICS não existe de fato e não tem musculatura nem vontade de se fazer parte constitutiva de uma nova ordem. O presidente norte-americano ataca diretamente todos os membros e demonstra a incapacidade do bloco de agir como tal. A chamada “Guerra dos 12 dias” para além de toda a interpretação regional, é um teste aos BRICS. Teste que temo tenhamos fracassado. Ao deixar um aliado ser atacado diretamente e soltando apenas uma nota tímida e protocolar, o BRICS demonstra que ainda precisa de décadas de construção institucional e ideológica para poder chegar ao ponto de questionar a ordem internacional. Pelo lado dos EUA, ele demonstra que é o único ator com capacidade de ação internacional conforme seus interesses. Se isso não questiona as argumentações sobre “multipolaridade” como característica do momento atual, acho que deveríamos largar um pouco as teorias e voltar à percepção real das coisas no mundo.

No final, a despeito do que se possa argumentar, Trump é o grande vencedor contra os BRICS. Não apenas demonstra ação (militar, econômica, simbólica e etc.) contra todos os países do BRICS, como também deixa claro sua incapacidade de resposta no âmbito das relações internacionais. E isso, é preciso admitir.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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