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No pavilhão das patentes chinesas, sonhos

Com quase 5 milhões de registros de invenções, a China passou de importadora de propriedade intelectual a líder global em inovação

(Foto: Xinhua)
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Por Fernando Capotondo, para o 247 

“O Sonho no Pavilhão Vermelho” é um dos clássicos da literatura chinesa, uma obra-prima escrita por Cao Xueqin no século XVIII para retratar as tensões de uma sociedade tradicional que começava a dar sinais de mudança. Três séculos depois, aquele espírito de transformação se expressa hoje, com potência máxima, por meio de um fenômeno que já impacta a economia global: a China deixou de ser o produtor barato de imitações tecnológicas para se tornar o novo líder mundial em inovação, com 4,97 milhões de patentes de invenção registradas até maio de 2025, segundo o mais recente relatório da Administração Nacional de Propriedade Intelectual (CNIPA).

“A China está evoluindo rapidamente de importadora de propriedade intelectual (PI) para criadora com liderança global, o que impulsiona o crescimento de novas forças produtivas de qualidade”, afirmou Guo Wen, porta-voz da CNIPA, durante um encontro realizado nesta semana em Pequim, no qual foram divulgados os resultados dos primeiros cinco meses do ano.

Segundo o relatório, a CNIPA processou 84 mil avaliações de patentes prioritárias, acelerou 116 mil pedidos, adiou 9.300 revisões e realizou 13 rodadas de avaliações centralizadas em seus 124 centros nacionais de proteção de PI e unidades de atendimento rápido, espalhados por 29 províncias, regiões autônomas e municipalidades.

“Isso resultou na concessão de patentes de alto valor, que fortalecem a competitividade industrial, protegem a segurança da produção nacional e impulsionam melhorias em todos os setores”, explicou a representante.

Ao ser questionada sobre a fórmula para alcançar quase 5 milhões de patentes, Guo destacou “a otimização dos critérios de avaliação, a maior qualidade das inovações e a implementação de sistemas de análise baseados na demanda”, entre outros pontos.

Ela também ressaltou que a CNIPA reduziu o tempo médio de análise para patentes de invenção para 15,5 meses; para registros de marcas, para 4 meses; para mediações em litígios de PI, para 28 dias; e, no caso de casos de proteção de direitos de PI, para apenas 2 semanas.

Outro dado importante foi a crescente contribuição das pequenas e médias empresas chinesas no crescimento da taxa de industrialização das patentes de invenção, que chegou a 53,3% em 2024, representando um aumento de dois pontos percentuais em relação ao ano anterior.

Mais do que promessas, a virada do “Fabricado na China” para o “Criado na China” se sustenta em dados concretos reconhecidos internacionalmente: segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), da ONU, a China apresentou, em 2023, um total de 1,64 milhão de pedidos de patentes, contra 406 mil dos Estados Unidos, 289 mil do Japão e 237 mil da Coreia do Sul.

Em outro estudo, a OMPI revelou que a China superou os EUA com 60% das patentes relacionadas à inteligência artificial generativa, com mais de 380 mil pedidos na última década, frente às 6.276 solicitações americanas no mesmo período, informou a CGTN.

Na área de propriedade intelectual, Pequim lidera hoje todos os principais indicadores: invenções, design industrial e modelos de utilidade. “A China deixou de ser apenas receptora de tecnologia e tornou-se um ator-chave da inovação global”, afirmou o diretor-geral da OMPI, Daren Tang, em consonância com a visão dos representantes chineses da CNIPA.

De 98 ao topo do mundo

Para entender a dimensão dessa transformação, é importante lembrar que, em 1994, a China aderiu ao Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), um sistema global administrado pela OMPI que permite registrar uma única solicitação válida em diversos países. Naquele ano, o país apresentou apenas 98 pedidos internacionais. Em 2023, esse número saltou para 69.610, colocando a China, pelo quinto ano consecutivo, no topo do ranking global.

Nessas três décadas, o país não apenas expandiu sua base tecnológica como também promoveu uma cultura de proteção à invenção — tanto nacional quanto internacional — com reformas legais, investimentos estatais e privados expressivos, além da modernização da Lei de Patentes, que passou a incluir mecanismos como danos punitivos contra infrações.

Nesse contexto, empresas como a Xiaomi mudaram radicalmente sua estratégia: deixaram a disputa de preços em segundo plano para investir fortemente em pesquisa e desenvolvimento, buscando o registro de patentes próprias. Após um litígio com a Ericsson na Índia, há dez anos, a gigante chinesa adotou nova postura e, hoje, lidera entre as companhias chinesas em pedidos internacionais de PI. Apenas no setor de veículos de nova energia, registrou mais de 250 patentes em tecnologias de baterias, segundo a agência Xinhua.

O fortalecimento institucional também beneficiou empresas estrangeiras. A farmacêutica AstraZeneca, por exemplo, conseguiu fazer valer uma patente crucial no mercado chinês contra um concorrente local. Já a Bayer obteve, em 2019, uma sentença favorável em um caso de infração, com indenização recorde de mais de US$ 3,5 milhões — a maior já concedida no setor médico do país até então. O resultado disso foi um ambiente de negócios mais transparente, atraente tanto para empresas locais quanto para multinacionais interessadas em expandir suas operações na China.

Esse avanço também reforçou a cooperação global em propriedade intelectual. O país firmou parcerias com mais de 80 nações e organizações internacionais, e participa ativamente da governança do sistema PCT. Segundo Shen Changyu, comissário da CNIPA, o objetivo da China é “melhorar as normas internacionais de PI e garantir que os benefícios da inovação sejam compartilhados de forma mais ampla”.

“A transição do ‘feito na China’ para o ‘criado na China’ foi resultado natural do desenvolvimento de alta qualidade do país, de um ambiente de mercado justo e de um investimento contínuo em inovação”, afirmou recentemente Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, ao comentar a expansão global das marcas chinesas.

Como observou Mao, os dados comprovam o protagonismo da China no campo das patentes e da inovação. O que eles não mostram é que esse salto não aconteceu por acaso: foi fruto de um sonho longo e persistente que — como no Pavilhão Vermelho — combinou tradição, mudança e uma visão própria de futuro. A China, hoje, é a fábrica de suas próprias ideias.

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