Cuba resiste: Díaz-Canel denuncia bloqueio dos EUA e reafirma socialismo como solução nacional
Em entrevista a Breno Altman, presidente cubano detalha os efeitos do bloqueio e defende o socialismo como caminho para a soberania e a justiça social
247 – Em entrevista ao jornalista Breno Altman, no programa 20 Minutos, o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, ofereceu uma profunda análise sobre a grave crise enfrentada pelo país caribenho. Recebido no Palácio da Revolução, em Havana, Altman ouviu de Canel um diagnóstico direto: “Estamos atravessando um dos períodos mais complexos desde 1959. A causa fundamental é o injusto, genocida e criminal bloqueio imposto pelos Estados Unidos, intensificado durante o governo Trump e mantido por Biden”.
Díaz-Canel destacou que, apenas entre março de 2023 e fevereiro de 2024, o bloqueio causou prejuízos de mais de 5 bilhões de dólares. “São 13,8 milhões de dólares por dia. Uma hora de bloqueio representa mais de meio milhão em perdas”, pontuou.
O bloqueio recrudescido e seus impactos estruturais
O presidente cubano explicou que o agravamento das sanções a partir de 2017 criou uma “nova qualidade” do bloqueio, com foco especial na perseguição financeira e energética. Entre as medidas citadas estão a inclusão de Cuba na lista norte-americana de países que patrocinam o terrorismo e a aplicação do capítulo 3 da lei Helms-Burton, que permite processar empresas que utilizem propriedades nacionalizadas após a revolução.
“A pandemia chegou em meio a esse cenário. Sem turismo, com remessas cortadas e com uma economia já golpeada, tivemos que desenvolver nossos próprios ventiladores pulmonares, criar vacinas nacionais e enfrentar uma crise energética brutal sem apoio internacional”, lembrou.
Crise energética e esforços de superação
Segundo Díaz-Canel, o sistema eletroenergético cubano opera com termoelétricas que já ultrapassaram sua vida útil e enfrentam escassez de peças e manutenção. “Nos faltam combustíveis e recursos para modernizar o sistema. A perseguição energética nos impede de importar diesel e fuel oil, comprometendo a geração distribuída”, explicou.
Cuba tem apostado na diversificação de sua matriz elétrica com fontes renováveis. O presidente informou que, até o fim de 2025, o país deve alcançar 2.000 MW em energia fotovoltaica. Além disso, novas políticas promovem a compra de sistemas domésticos de geração por parte da população, bem como incentivos para o uso de biomassa na produção canavieira.
Reconhecimento de erros e necessidade de autocrítica
Díaz-Canel admitiu falhas internas na gestão econômica: “Mesmo sem outros fatores, o bloqueio nos traria a esta situação. Mas reconhecemos que houve erros, incongruências na implementação de medidas, excesso de burocracia, mentalidade importadora e dificuldade em aplicar ciência e inovação fora dos setores de saúde e biotecnologia”.
Ainda assim, o presidente destacou que a resistência cubana não é passiva. “É uma resistência criativa. Desenvolvemos vacinas próprias, mantivemos a educação e a saúde públicas, e reafirmamos a justiça social como valor inegociável”.
Protestos, tarifas e diálogo social
Questionado sobre manifestações estudantis recentes devido ao aumento nas tarifas da estatal de telecomunicações ETECSA, Díaz-Canel destacou que Cuba tratou o tema com diálogo e democracia. “Houve erro de comunicação e inconsistências nas medidas, mas abrimos espaço para escuta e ajustes. Formamos grupos com estudantes e especialistas para assessorar a empresa. Isso é socialismo em prática”, afirmou.
Ele contrastou a reação cubana com a repressão em países como os Estados Unidos. “Enquanto nossos jovens protestam por canais institucionais, nos EUA estudantes são agredidos por protestarem contra o genocídio na Palestina. É pura hipocrisia daqueles que nos acusam de ditadura”, disse.
Modelo político cubano e liberdade de expressão
Sobre as críticas ao modelo de partido único, Díaz-Canel respondeu: “Temos um partido para unir, não para eleger. É uma tradição histórica herdada de Martí. Em Cuba, o partido não postula candidatos. A representação popular se dá desde os bairros, com base no poder local”.
Ele criticou duramente a ingerência externa: “Grupos opositores são financiados pelos EUA para promover vandalismo e desestabilização. Quando são julgados, nos acusam de prender por opinião. É mentira. Não há presos de opinião, há delinquentes julgados conforme a lei”.
Relações internacionais, China e BRICS
Díaz-Canel celebrou a parceria histórica com a China, que chamou de “aliança de ferro”. Ele destacou a cooperação em áreas como energia renovável, turismo, biotecnologia e agricultura. “China é um grande aliado. Nos apoia contra o bloqueio e defende nossa exclusão da lista de países terroristas”, disse.
Sobre os BRICS, considerou a adesão como associado uma “porta para o futuro”: “O BRICS representa uma nova governança global. Podemos cooperar em projetos estratégicos, ter acesso a financiamento, tecnologia e escapar do domínio do dólar”.
Brasil e Cuba: retomada das relações com Lula
As relações com o Brasil, segundo Díaz-Canel, vivem uma fase de renascimento: “Lula é nosso amigo, nosso irmão. Em sua visita a Cuba em 2023, firmamos acordos nas áreas de agricultura, saúde, biotecnologia e energia. Com ele, retomamos uma relação solidária e estratégica”.
O presidente cubano lamentou a ruptura do programa Mais Médicos durante o governo Bolsonaro e recordou com orgulho a atuação dos profissionais cubanos em comunidades pobres brasileiras. “Levamos saúde onde nunca antes havia chegado”, afirmou.
Socialismo cubano: continuidade e transformação
Díaz-Canel reafirmou que o socialismo segue sendo o caminho cubano. “É a única alternativa para manter a soberania e a justiça social. Incorporamos o setor privado sob regulação estatal, sem abrir mão dos princípios socialistas. O que não podemos permitir é que a desigualdade avance sem controle”.
Reconhecendo que parte da iniciativa privada causou distorções como evasão fiscal e preços abusivos, o governo promete maior regulação e integração com os planos nacionais. “O setor não estatal deve contribuir com impostos e se alinhar às prioridades sociais”, destacou.
Cultura, orgulho e responsabilidade histórica
Ao fim da conversa, Díaz-Canel emocionou-se ao falar sobre sua trajetória. “Eu não esperava estar aqui. Era engenheiro, professor. Mas a vida exige entrega. Me inspiro nos exemplos de Fidel e Raúl, mas busco um caminho próprio, com compromisso, com diálogo, com transformação”.
Ele recomendou o livro Cem horas com Fidel, do jornalista Ignacio Ramonet, e os filmes Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea, e O cidadão Kane, de Orson Welles. “São obras para entender a essência da revolução e as batalhas contra a manipulação da informação”, explicou.
Encerrando a entrevista, afirmou: “Apesar das dificuldades, o povo cubano resiste com dignidade. A revolução está viva, e vamos vencê-la, com criatividade, justiça e solidariedade”. Assista:
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