Bolsonarista que participou do 8J é investigada por abusos físicos e sexuais contra crianças no interior de SP
Além de responder por participação nos atos golpistas em Brasília, Marlúcia Ramiro enfrenta acusações de maus-tratos e abuso sexual contra duas meninas
247 - A paulista Marlúcia Ramiro, de 63 anos, já era conhecida por sua participação direta nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Agora, ela enfrenta uma nova e grave investigação: a suspeita de abuso físico, psicológico e sexual contra duas meninas, de 8 e 2 anos, em Buritizal, interior de São Paulo. Os crimes teriam ocorrido em 2023, período em que Marlúcia estava foragida, segundo reportagem originalmente publicada pelo jornal O Globo.
Marlúcia foi detida em dezembro de 2023 e, desde abril deste ano, cumpre regime domiciliar por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). As denúncias de abuso foram feitas pela mãe das crianças, uma profissional de marketing de 36 anos, que pediu para não ser identificada para preservar a identidade de suas filhas.
Acolhida e o início dos abusos
A mãe das vítimas contou ao GLOBO que conheceu Marlúcia em 2018, durante manifestações bolsonaristas em São Paulo. Elas se tornaram amigas e, em agosto de 2023, Marlúcia a procurou em Buritizal, alegando dificuldades financeiras e buscando um lugar para ficar.“Falou que estava com algumas dificuldades financeiras, que a aposentadoria não tinha dado certo e que precisava ficar um tempo comigo no interior. Ela se ofereceu para cuidar das minhas filhas enquanto eu trabalhava. E foi assim que ela veio para a minha casa. Não achei nada ruim”, relatou a mãe.
No entanto, a convivência com Marlúcia rapidamente trouxe mudanças preocupantes no comportamento das crianças. A filha mais nova, de dois anos, diagnosticada com autismo, começou a chorar incessantemente, acordava assustada e recusava alimentos. A mais velha, de oito anos, com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), tornou-se retraída e isolada. Além disso, a bebê apresentava hematomas frequentes, que foram registrados até pela creche onde estudava.
Os relatos que revelaram a violência
A situação se agravou no final de 2023, quando incidentes envolvendo os sobrinhos da mãe das meninas levantaram mais suspeitas. Uma prima das crianças presenciou Marlúcia agredindo a bebê, “sacudindo a menina com força e a jogando no chão, deixando-a desnorteada”. Quando questionada, Marlúcia teria afirmado que era apenas uma "brincadeira".Um diálogo entre as crianças durante um lanche também acendeu um alerta: “Lembro que um dia meus sobrinhos estavam em casa comendo panetone, já perto do fim do ano. Um deles fez um comentário como: ‘Ah, não vai comer tudo porque senão depois a culpa é da [prima mais velha] e essa mulher não vai deixar mais ela comer’. E eu falei: ‘Como é que é? Quem não vai deixar ela comer?’. Eles ficaram olhando um para a cara do outro, desconversaram e saíram”, narrou a mãe.
No dia seguinte, a mãe confrontou a filha mais velha. “Esperei a Marlúcia sair, porque ela tinha arrumado um serviço com uma moça que faz bolos na cidade. Falei com a minha filha mais velha: ‘Vamos conversar. O que está acontecendo?’. Ela começou a chorar e percebi que ela tremia o queixo, com medo. E aí falou: ‘Mãe, promete que não vai contar para ninguém que fui eu que falei?’”, lembrou a mãe.
A criança então revelou uma rotina de maus-tratos diários, que incluía abandono, restrição alimentar, e agressões físicas e psicológicas. A filha mais velha era frequentemente trancada fora de casa, exposta ao sol, sob o pretexto de que Marlúcia estava limpando o imóvel. “Alana* disse que já urinou na roupa, não podia beber água, não podia ir ao banheiro e já precisou pular a janela do quarto porque estava passando mal do lado de fora, no sol. Ela fazia de maldade, de ruindade. Não se coloca uma criança para fora para limpar uma casa”, denunciou a mãe.Apesar da casa estar abastecida com alimentos, as crianças não eram alimentadas. Uma professora da filha mais velha chegou a comentar que a menina sempre chegava à escola com fome. “Eu reparava que fazia despensa e muita coisa ia para o lixo. Eu perguntava para ela se as crianças não estavam comendo, e ela dizia que as meninas ‘não gostavam’ [de comer]. Mas minha filha me contou que, na verdade, era ela quem não deixava. Dizia: ‘Já passou da hora de tomar café, agora não vai comer nada’, por exemplo.”As agressões verbais também eram constantes. A filha mais velha era alvo de xingamentos e comparações cruéis: “Ela chamava minha filha de burra, dizia que ela nunca ia aprender a ler ou escrever. Comparava com outras crianças”, contou a mãe. A bebê, por sua vez, era agredida fisicamente: “Ela afogava a bebê na banheira, batia com chinelo. Tudo isso minha filha mais velha conta ter visto”, lamentou.
A prisão e a revelação da foragida
Após os chocantes relatos, a mãe decidiu expulsar Marlúcia de casa. Antes de acionar o Conselho Tutelar, ligou para a filha de Marlúcia, que a alertou sobre um mandado de prisão relacionado aos atos de 8 de janeiro e revelou que a mãe estava foragida.A própria filha de Marlúcia incentivou a denúncia. “Liguei para a filha dela e falei: ‘Busque a tua mãe aqui’. A filha dela mandou eu chamar a polícia. Disse que Marlúcia estava foragida, que o próprio marido já havia denunciado e que eu deveria chamar a polícia. Fui até a praça, conversei com um amigo policial. Eles foram até onde ela estava e a conduziram para a delegacia. Ela foi presa porque eu denunciei”, afirmou a mãe.Após a prisão de Marlúcia, a mãe das vítimas procurou o Conselho Tutelar, e o caso foi encaminhado ao Ministério Público. A investigação, que tramita em sigilo, revelou que Marlúcia já tinha antecedentes, incluindo uma acusação em Guarulhos por crimes contra a honra.
Suspeita de abuso sexual e mudança no processo
Novos indícios apontaram para um possível abuso sexual. Em depoimento recente, a filha mais velha relatou que Marlúcia fazia fotos e vídeos das partes íntimas da irmã bebê. A criança mais nova também passou a demonstrar comportamentos considerados incomuns: “Ela começou a introduzir objetos na vagina, a tocar nas nossas genitálias. Ela não tinha esse hábito”, disse a mãe.Diante da gravidade dos novos relatos, o caso foi transferido do Juizado Especial Criminal para a Justiça Criminal, e o Ministério Público solicitou o retorno da investigação à Delegacia para aprofundamento, incluindo a apreensão do celular de Marlúcia.
O advogado da família, Wellington Santos, afirmou que Marlúcia nega as acusações e alega retaliação: “Inicialmente ela nega as acusações, disse que isso foi uma retaliação da Aurora* porque, quando ela parou de contribuir financeiramente na casa com a Aurora. O que não faz o menor sentido. Ela é que foi morar com a Aurora. Em contrapartida, cuidou das meninas enquanto Aurora trabalhava. Não tem sentido, essa versão dela”, declarou o defensor. Em relação à acusação de abuso sexual, Marlúcia ainda não se manifestou formalmente nos autos.
O Ministério Público chegou a cogitar uma proposta de transação penal no valor de aproximadamente R$ 706 em 2024, mas a gravidade dos novos elementos levou a uma reorientação do processo. A defesa de Marlúcia Ramiro não se manifestou sobre as acusações.
O passado e o comportamento conflituoso
Uma ex-vizinha de Marlúcia em Guarulhos, que preferiu não ser identificada, descreveu-a como uma pessoa com comportamento conflituoso e que “não se dava bem com as irmãs”. “Muito doida. Ela morava sozinha com o filho mais novo na frente da minha casa, pois o pai dela não queria ela na casa dele, que era na mesma rua. Foram os pais que criaram a filha mais velha dela. Sempre falou muito mal da família, inclusive do pai, que ela cuidou até morrer. Depois que ele morreu, ela se meteu na política. Sempre achando que era superior por fazer campanha para o Bolsonaro”, relatou a ex-vizinha.A ex-vizinha também questionou as alegações de problemas de saúde da defesa de Marlúcia, que foram usadas para tentar obter a prisão domiciliar. “Em uma campanha do Lula, em Guarulhos, ela foi jogar pão com mortadela no povo que estava no comício. Chegou a machucar o pé em cima do caminhão. Sobre a saúde, que falam que tem problemas, sempre andou para cima e para baixo. Sempre participou de viagens. Se tivesse tanto problema não estaria em Brasília quebrando as coisas e nem teria ficado tantos dias dormindo em barraca na frente do quartel”, opinou.
Marlúcia Ramiro, que teve a prisão preventiva decretada pela Polícia Federal por sua participação nos atos golpistas, divulgava caravanas para Brasília em suas redes sociais, organizando viagens para apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Seu perfil no Facebook permaneceu ativo até 2022.
* Os nomes das supostas vítimas em * são fictícios
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