Desequilíbrio tributário e injustiça fiscal fazem governo perder R$ 200 bilhões por ano
Estudo do Ipea revela que distorções no sistema tributário brasileiro aprofundam a desigualdade e fragilizam a arrecadação pública
247 – Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento, revela que o governo federal deixa de arrecadar mais de R$ 200 bilhões por ano devido a distorções e iniquidades nas regras do Imposto de Renda. As informações foram divulgadas pela Agência Brasil. O documento, intitulado Ineficiências e Iniquidades do Imposto de Renda: Da Agenda Negligenciada para a Próxima Etapa da Reforma Tributária, é assinado por Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.
Segundo Gobetti, as regras atuais do sistema tributário brasileiro não apenas enfraquecem o princípio da progressividade — que estabelece que os mais ricos devem pagar proporcionalmente mais — como também incentivam práticas que burlam esse ideal. “O estudo se propõe a mostrar que iniquidades perpetuadas nas regras de cobrança de impostos geram ineficiência econômica”, afirma o pesquisador. Essas distorções contribuem, ainda, para uma arrecadação frágil e injusta.
Regimes de tributação sob crítica
Um dos principais pontos criticados por Gobetti é a diferença entre os regimes de tributação do lucro empresarial: o Simples Nacional, o lucro presumido e o lucro real. O Simples e o lucro presumido, por serem optativos e baseados no faturamento em vez do lucro efetivo, têm se desviado de seu objetivo inicial — facilitar a vida das micro e pequenas empresas — e hoje geram injustiças tributárias. “Houve desvirtuamento do propósito”, observa Gobetti. “Entre os proprietários de micro e pequenas empresas, há pessoas com capacidades contributivas muito diferentes.”
O pesquisador defende que não se trata de eliminar o regime simplificado, mas de resgatar sua função original: “Essa vantagem beneficia menos o empresário empreendedor, aquele que está investindo, se arriscando. Estou beneficiando o menos empreendedor, aquele que investe menos e lucra mais”.
Outro problema destacado é o uso de brechas no regime do lucro presumido. Segundo Gobetti, grupos empresariais organizam-se de forma a distribuir artificialmente custos e receitas entre empresas submetidas a regimes distintos, minimizando a carga tributária. Enquanto o percentual médio de presunção do lucro é de 15,8%, a Receita Federal apurou que, entre 2015 e 2019, o percentual médio efetivo foi de 30,4%.
R$ 200 bilhões em renúncias fiscais
Em 2019, ano mais recente do cálculo, a renúncia de receita estimada por conta dos regimes simplificados foi de R$ 203,6 bilhões: R$ 87,7 bilhões ligados ao Simples Nacional e R$ 115,9 bilhões ao lucro presumido. “Não existe almoço grátis”, alerta Gobetti. Ele observa que, para manter a arrecadação atual, será necessário aplicar alíquotas maiores no futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre os setores não beneficiados por tratamentos favorecidos.
“Uma alíquota mais baixa e uniformemente aplicada ou com menos exceções e discrepâncias do que temos hoje seria extremamente positiva para a competitividade da economia brasileira”, afirma.
Tributação de dividendos e concentração de renda
O estudo também critica a isenção da tributação sobre dividendos — parcela do lucro distribuída aos acionistas —, prática ainda vigente no Brasil, mas abandonada por quase todos os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com exceção da Estônia e da Letônia. Gobetti defende que tributar os dividendos “pode proporcionar mais competitividade à economia brasileira e maior progressividade ao Imposto de Renda, ao transferir o foco da empresa para o acionista”.
Segundo o estudo, a concentração de renda no Brasil vem aumentando. A fatia da renda apropriada pelo 1% mais rico passou de 20,5% para 24,4% em seis anos, sendo que 88% desse crescimento ficou nas mãos do 0,1% mais rico. “O lucro das empresas cresceu muito, então podemos imaginar que passamos para um novo patamar de concentração de renda”, avalia o pesquisador.
Setor petrolífero na mira
Gobetti também propõe a adoção de um tributo adicional sobre lucros extraordinários do setor de petróleo. Segundo ele, empresas do setor já têm retornos atrativos com preços entre US$ 45 e US$ 57 o barril, e poderiam ser taxadas adicionalmente quando o preço do Brent ultrapassar a média histórica de US$ 70. Em 2025, o petróleo tem sido negociado entre US$ 64 e US$ 75.
A cobrança poderia variar entre 10% e 20% sobre os lucros extraordinários, com potencial de arrecadação de até R$ 40 bilhões em momentos de alta. “Essa cobrança não eliminaria o ganho extraordinário dos investidores em momentos de alta do preço do petróleo, mas apenas capturaria uma pequena parte desse lucro extraordinário”, conclui Gobetti.
O estudo do Ipea chega em um momento de intensa discussão sobre justiça fiscal no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, onde tramita uma ação contra decreto do governo que eleva a alíquota do IOF — imposto que o Congresso já havia rejeitado. O debate sobre como equilibrar as contas públicas está mais vivo do que nunca, e as contribuições técnicas como a de Gobetti são fundamentais para avançar na reforma tributária com foco em justiça e eficiência.
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