Brasil negocia com Rússia usinas nucleares flutuantes para a Amazônia
Governo avalia proposta da estatal russa Rosatom para instalar pequenos reatores na região Norte e reforçar aliança energética com Moscou
247 - O governo brasileiro está considerando adquirir usinas nucleares flutuantes oferecidas pela estatal russa Rosatom. A iniciativa, segundo a Folha de S. Paulo, integra o estreitamento da cooperação entre os dois países na área de energia atômica e visa especialmente regiões de difícil acesso, como a Amazônia. De acordo com o diretor da Rosatom para a América Latina, Ivan Dibov, a estatal pretende expandir a parceria com o Brasil, que teve início em março com a exploração conjunta de urânio na mina de Caetité, na Bahia. “Temos muito interesse em ampliar nossa cooperação”, disse o executivo.
A Rosatom é uma das principais empresas do setor nuclear no mundo, com cerca de US$ 100 bilhões em receitas externas em 2024 — 20% provenientes de países considerados adversários da Rússia no contexto da guerra da Ucrânia, como os Estados Unidos. A estatal é pioneira na produção de reatores modulares pequenos, conhecidos como SMRs (Small Modular Reactors), que possuem capacidade entre 10% e 50% das centrais tradicionais, porém com a vantagem de ocupar menos espaço.
Em 2020, a Rússia inaugurou a primeira usina flutuante do mundo, instalada sobre a barcaça Acadêmico Lomonosov. Apesar de críticas de ambientalistas, que a apelidaram de “Chernobil flutuante”, a unidade substitui centrais obsoletas e uma poluente termoelétrica no Ártico russo. O Greenpeace continua denunciando a operação como perigosa.
A proposta da Rosatom chamou a atenção do governo brasileiro. “Os pequenos reatores, inclusive os modelos flutuantes, podem oferecer soluções seguras e estáveis para regiões de difícil acesso, como a Amazônia. Temos mantido um diálogo técnico produtivo com a Rosatom”, afirmou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de acordo com a reportagem.
Em maio, durante visita à Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já havia sinalizado o interesse do Brasil em ampliar a parceria no setor energético. "Temos interesse em discutir sobretudo a área energética. Temos muito interesse em estabelecer a relação com a Rússia nas pequenas usinas nucleares", disse Lula na abertura de uma reunião bilateral com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou.
Segundo a empresa russa, a região amazônica poderia abrigar até 12 reatores até 2035, com capacidade de geração de 0,6 GW. Outros dez reatores flutuantes seriam instalados na costa do Nordeste, ampliando a oferta em 0,5 GW. Juntos, esses projetos representariam cerca de metade da atual capacidade instalada da matriz nuclear brasileira.
A operação, no entanto, exige regulação específica. A primeira usina flutuante da Rosatom levou dez anos para entrar em funcionamento, contando com uma licença especial da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Os custos não foram detalhados, mas Dibov estima que a construção hoje leve de dois a três anos.
A primeira unidade russa teve orçamento inicial de US$ 340 milhões, que subiu para cerca de US$ 870 milhões após correções. Além da geração em áreas remotas, o ministro Silveira vê potencial nos pequenos reatores para aplicações que exigem alta demanda de energia, como datacenters.
Apesar de abrigar grandes hidrelétricas, a Amazônia ainda depende fortemente de usinas termoelétricas a diesel e, em Roraima, até da energia importada da Venezuela. Essa realidade contrasta com a matriz elétrica brasileira, que é 85% renovável — com a energia nuclear representando apenas 1,2%, proveniente de Angra 1 e 2.
A Rosatom já tem presença no Brasil desde 2015, com fornecimento de isótopos para medicina nuclear e contratos pontuais. Em 2023, venceu duas licitações para fornecer urânio enriquecido para Angra pelos próximos cinco anos, em negócios estimados em US$ 140 milhões.
Embora o Brasil detenha a sétima maior reserva mundial de urânio e domine tecnicamente todo o ciclo de enriquecimento, ainda envia o produto intermediário ("yellowcake") ao exterior para conversão em gás e posterior enriquecimento — processo no qual os russos são agora parceiros principais.
Esse domínio tecnológico, que permite enriquecer o urânio até os 4,25% exigidos por contrato para geração de energia, também está no centro das tensões internacionais sobre proliferação nuclear, como no conflito entre Israel e Irã, onde o enriquecimento pode ultrapassar os 80% necessários para armas nucleares.
O contrato mais recente com a Rosatom envolve o envio de 275 mil quilos de urânio natural extraído na Bahia até 2027. A empresa russa devolverá o material processado como combustível nuclear. De acordo com Dibov, a intenção é aprofundar a exploração das reservas brasileiras como forma de diversificar o suprimento do metal, em resposta às incertezas geopolíticas. Além do Brasil, Moscou também negocia mineração de urânio na Tanzânia e na Namíbia. Atualmente, 40% do urânio consumido pela Rússia é importado, majoritariamente do Cazaquistão.
A aproximação entre Brasília e Moscou na área nuclear começou durante o governo Jair Bolsonaro e foi reforçada sob Luiz Inácio Lula da Silva, que é entusiasta do grupo BRICS, do qual Brasil e Rússia fazem parte.
Dibov nega qualquer envolvimento da Rosatom no fornecimento de combustível para o futuro submarino nuclear brasileiro, mas ressalta que “temos o melhor produto e o melhor preço”, embora não revele os valores. No mercado, estima-se que o urânio enriquecido russo seja até 50% mais barato do que o de concorrentes ocidentais.
Outro ponto de interesse é a conclusão da usina de Angra 3, cuja construção foi paralisada após consumir cerca de R$ 12 bilhões e estar envolvida em diversos escândalos. Faltam ainda 35% das obras. A Rosatom já demonstrou interesse em participar do projeto, mas a decisão depende do governo brasileiro. “Angra 3 é um assunto complexo. Estamos abertos a discutir, temos grande experiência, mas no momento nosso foco são os projetos próprios”, disse Dibov.
A empresa, no entanto, vê espaço também para oferecer usinas nucleares de maior porte no Brasil. “Já existe legislação para isso. Podemos ajudar o Brasil a atingir metas climáticas”, afirmou, ressaltando o argumento da emissão zero das usinas nucleares, ponto também promovido pela AIEA.
O setor nuclear vive um renascimento desde o desastre de Fukushima, em 2011. Na última semana, o Banco Mundial suspendeu o veto a financiamentos para projetos nucleares, incluindo reatores modulares — como os que o Brasil agora estuda levar para a Amazônia.
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