“A crise climática não é o fim do mundo - os povos originários resistem há 600 anos”, diz pesquisadora
Leila Figueiredo fala sobre ecologia política, conflitos ambientais e a urgência de desacelerar o capitalismo em nome da vida
Beatriz Bevilaqua, 247 - “Eu vi comunidades quilombolas e indígenas mantendo suas práticas e defendendo suas experiências civilizatórias enquanto um trem passava, levando minério de ferro e destruição. Essas pessoas estão lutando, cantando, tocando tambor. Se há 600 anos elas resistem, como é que eu não vou ter esperança?”. O depoimento emocionado da pesquisadora Leila Figueiredo, diretamente da Nova Zelândia, ecoa como um grito de alerta em tempos marcados pelo avanço da extrema-direita, pela aceleração do colapso ambiental e pelo desalento social.
O relato da pesquisadora maranhense Leila Figueiredo, feito de outro lado do mundo, é mais que um testemunho acadêmico. É um chamado à lucidez e à coragem política em tempos de colapso ambiental, avanço da extrema-direita global e normalização da barbárie corporativa.
Com foco nos grandes embates entre comunidades tradicionais e o poder corporativo, Leila investiga, entre outros casos, a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, da Vale. “Minha pesquisa mostra como a empresa conseguiu moldar a legislação ambiental ao seu favor, ao longo de 40 anos. As leis são iniciadas, mas sua regulamentação é adiada por décadas, tempo suficiente para os empreendimentos avançarem sem freio”, explica.
A conclusão é dura: não faltam leis, faltam limites à lógica de que o desenvolvimento econômico está acima de tudo. Segundo ela, até mesmo a constituição brasileira precisa ser revista para incorporar uma visão verdadeiramente plurinacional e socioambientalmente justa.
“O capitalismo precisa de expansão. Mas não há expansão eterna em um planeta finito. Essa contradição é o centro da crise climática e dos conflitos ambientais”, enfatiza.
A ecologia como disputa de poder
A ecologia política, área onde Leila atua, parte da compreensão de que o meio ambiente não é neutro e sim atravessado por relações de poder. Dos empates de seringueiros na Amazônia à resistência quilombola contra a mineração no Maranhão, o que está em jogo não é apenas a natureza, mas a própria vida, a memória e o futuro de territórios inteiros.
“O conflito ambiental não é técnico, é político. As comunidades sabem o que querem, conhecem a legislação melhor que muitos gestores. Mas enfrentam lobbies e retrocessos articulados”, explica.
Atualmente morando na Nova Zelândia, Leila acompanha com preocupação o desmonte ambiental promovido pelo novo governo de extrema-direita do país, cuja agenda neoliberal se assemelha à que devastou o Brasil entre 2019 e 2022:
“Estão fundindo ministérios, enfraquecendo licenças ambientais, querendo acabar com órgãos locais de regulação. O discurso é o mesmo: o país deve ser gerido como uma empresa tradicional. Estamos vivendo o mesmo roteiro, em outro continente.”
Segundo ela, há uma estratégia global de desmonte, que age para esvaziar o senso coletivo de futuro e esperança. “Quando o capital entra em crise, a extrema-direita avança. E junto com ela, a desesperança. Por isso, manter a esperança é também um ato político.”
Educação anticolonial e retomada civilizatória
Para Leila, resistir ao colapso não passa apenas por políticas públicas ambientais, mas por uma transformação profunda do imaginário e da educação brasileira. “Ensinar história e cultura africana nas escolas foi uma vitória do movimento negro e quilombola. Quando uma criança aprende a amar seu território e respeitar seus ancestrais, a proteção ambiental deixa de ser uma ideia abstrata e vira prática cotidiana.”
Ela destaca ainda o papel das escolas quilombolas, onde o currículo é feito pelas próprias comunidades: “São lugares onde as crianças aprendem com quem vive ali, com quem protege aquele chão. Isso é soberania educativa e ambiental.”
A pesquisadora rejeita o discurso apocalíptico que tenta paralisar a ação política. Para ela, os povos originários e periféricos conhecem o fim do mundo há séculos e seguem resistindo. “A crise climática é grave, mas não é novidade. O fim do mundo já aconteceu para os povos invadidos, escravizados e expulsos. E mesmo assim, eles estão aqui. Vivendo, ensinando, resistindo. A esperança não é uma ilusão: é uma estratégia de sobrevivência.”
Assista na íntegra aqui:
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