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Sergio Ferrari

Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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Pesticidas letais, crianças vítimas

Em 2022 o uso total de agrotóxicos na agricultura global foi de mais de 3 milhões de toneladas de ingredientes ativos, 4% a mais do que em 2021

Arquivo EBC (Foto: Arquivo EBC)

Por Sergio Ferrari - O impacto nocivo dos pesticidas não poupa o Norte nem o Sul geográficos; nem adultos e especialmente crianças. Venenos legais, muitas vezes letais, os pesticidas são a ponta de lança da agricultura moderna.

Duzentas e seis crianças de 6 a 13 anos em três comunas agrícolas no cantão (Província ou Estado) do sul de Valais, na Suíça, estavam altamente expostas a pesticidas. Isso é atestado por um estudo do Instituto Suíço de Medicina Tropical e Saúde Pública (Swiss TPH) que as autoridades cantonais acabam de publicar.

Os resultados foram significativos devido ao potencial impacto na saúde infantil: dos 81 pesticidas testados, 36 foram registrados nas pulseiras de silicone de crianças que participaram do estudo em Chamoson, Salgesch e Saxon, três municípios da extensa bacia do rio Ródano.O nível de exposição aos tóxicos foi medido durante quatro períodos: em janeiro e fevereiro (inverno europeu), ou seja, fora da época de pulverização de agrotóxicos; bem como em abril, maio e junho, durante o pico da fumigação. Além do registro nas pulseiras, foi utilizado o resultado das amostras de urina.

Dos 36 pesticidas identificados, metade foi detectada com pouca frequência (menos de 5% das crianças). No entanto, seis dos agrotóxicos foram encontrados em mais de 40% dos participantes do estudo. Todas as crianças foram expostas a pelo menos um agrotóxico durante pelo menos um dos períodos de teste. O contato médio por criança foi de 14 agentes tóxicos, embora alguns tenham sido expostos a 32. Esses diferentes níveis de exposição, de acordo com o Swiss TPH, dependeram de vários fatores: a época do ano e a distância entre as casas das crianças e as atividades agrícolas, bem como o tamanho das áreas de cultivo.

O estudo também investigou possíveis ligações entre a exposição aos seis pesticidas mais detectados e os sintomas respiratórios dos participantes. Embora não tenha sido encontrada associação em curto prazo com sintomas como tosse ou falta de ar, os testes de espirometria, que medem o volume pulmonar e o fluxo aéreo, mostraram uma ligeira redução da função pulmonar associada, especificamente, aos pesticidas propiconazol e metalaxil.

Estudo revelador

Esse estudo é o primeiro desse tipo na Suíça. Nicole Probst-Hensch, chefe do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública do Swiss TPH, disse que, como os pesticidas são um tópico controverso, é essencial ter dados para orientar a discussão e a ação. E encorajou que sejam realizadas mais pesquisas dessa natureza com cobertura mais ampla, em nível nacional, para entender melhor os efeitos dos agroquímicos na saúde a longo prazo (https://www.swisstph.ch/fr/news/news-detail-1/news/childrens-exposure-to-pesticides-in-vineyard-and-orchard-regions).O pediatra Bernard Borel, especialista em questões de saúde e comentarista do diário suíço Le Courrier, conhece bem essa região, pois mora em Aigle, no mesmo cantão de Valais. Segundo ele, os resultados essenciais do estudo exigiriam o aprofundamento das conclusões e a ampliação de controles futuros. Borel diz a este correspondente que "o mais preocupante é que alguns pesticidas proibidos na Suíça por vários anos devido aos seus possíveis efeitos na saúde, foram encontrados nas pulseiras".

Além disso, biomarcadores urinários de pesticidas foram detectados em todas as crianças em pelo menos um período da avaliação, um indicador de mais do que apenas "exposição a tóxicos". Embora as crianças que participaram do estudo felizmente não apresentassem sintomas respiratórios graves, o número delas com algum tipo de sintoma, como observa Borel, aumentou de 10% durante o período de inverno (paradoxalmente, quando as crianças tendem a desenvolver infecções respiratórias mais comuns) para 20% durante o período de pulverização intensiva, a estação do ano em que, teoricamente, as crianças têm menos problemas respiratórios.

Por outro lado, observa Borel, cerca de 200 pesticidas são vendidos na Suíça para uso agrícola. Embora há menos de alguns anos, e talvez devido à maior conscientização dos setores afetados, em qualquer caso "novos agrotóxicos continuam a aparecer no mercado. Seu uso é muito frequente e observa-se que a vontade política de encontrar alternativas aos agrotóxicos é enfraquecida pela 'necessidade' de produzir mais". Nesse país, vinhedos e fazendas são os maiores consumidores de pesticidas, com uma média anual de 25 quilos por hectare.

Borel também critica a cobertura do estudo por alguns meios de comunicação suíços, que sublinharam suas "conclusões tranquilizadoras". Segundo o pediatra, "saber que os nossos filhos estão expostos a pesticidas – porque não há razão para que seja muito diferente no meu município de Aigle – deve alarmar-nos e encorajar-nos a procurar e aplicar, o mais rapidamente possível, métodos alternativos de produção agrícola". De acordo com o Instituto de Medicina Tropical, Borel defende que é necessário continuar e aprofundar o estudo do cantão de Valais a nível suíço e europeu porque o impacto nocivo dos pesticidas já é uma preocupação diária em praticamente todo o mundo.

Pesticidas sem fronteiras

De acordo com dados atualizados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em 2022 o uso total de agrotóxicos na agricultura global foi de mais de 3 milhões de toneladas de ingredientes ativos, 4% a mais do que em 2021. Isso representa um aumento de 13% em uma década e o dobro dos agrotóxicos usados em 1990 (https://www.fao.org/statistics/highlights-archive/highlights-detail/pesticides-use-and-trade-1990-2022/en).

A Suíça é uma potência mundial no setor agroquímico e suas principais multinacionais são muito ativas na exportação, promoção e venda desses produtos em quase todo o planeta.

Em 2020, e devido à pressão de várias organizações não governamentais (ONGs) suíças focadas na proteção ambiental e na cooperação para o desenvolvimento, o governo suíço reforçou as normas de controle de exportação de 100 pesticidas já proibidos no país e vetou a exportação de cinco substâncias particularmente perigosas. Dessa forma, ele tentou responder a ONGs como a Public Eye (Olhar Cidadão), que haviam denunciado as exportações descontroladas de agrotóxicos com consequências dramáticas para o Sul Global. Vários pesticidas da gigante agroquímica Syngenta foram implicados em intoxicações graves entre produtores de algodão na Índia e em pelo menos um caso de contaminação da água potável no Brasil.De acordo com um estudo da Public Eye no final de 2024, tudo indica que os novos regulamentos não tiveram o impacto desejado devido a deficiências significativas. Assim, por exemplo, 80 dos tóxicos proibidos em solo suíço durante os últimos cinco anos não foram afetadas por restrições à exportação. Esses incluem o tiametoxam, um neonicotinóide extremamente agressivo para os polinizadores, e o clortalonil, um fungicida provavelmente cancerígeno, cujos resíduos de degradação se acumulam na água potável.

A razão para essa excepcionalidade questionável, segundo a Public Eye, é simples: "A lista suíça de pesticidas sujeitos a restrições à exportação não é atualizada desde 2019, ao contrário da União Europeia, cuja lista é revisada anualmente e à qual cerca de 100 pesticidas proibidos foram adicionados nos últimos cinco anos". Como resultado, as exportações da Suíça estão fora do controle das autoridades, e as multinacionais que fabricam esses pesticidas não são obrigadas a informar aos países importadores sobre a periculosidade dessas substâncias ou a obter seu consentimento prévio para exportação.

A Public Eye tem novas informações indicando que a Suíça continua exportando pesticidas muito perigosos e proibidos localmente para vários países da União Europeia: 380 toneladas em 2022. Destas, 223 toneladas são de propiconazol e 8 toneladas de tiametoxam (ambos produzidos pela Syngenta), além de 153 toneladas do herbicida etoxisulfuron (comercializado pela fabricante alemã Bayer). Uma vez que essas substâncias são proibidas na União Europeia, pode afirmar-se com certeza que esses países atuam como intermediários, reexportando-as para países terceiros fora dessa região e no meio de uma tendência ascendente do consumo global de agrotóxicos (https://www.publiceye.ch/fr/news/detail/pesticides-interdits-les-exportations-suisses-echappent-a-tout-controle)

Das regiões vinícolas vizinhas ao Ródano suíço, ao Brasil, o maior usuário mundial de pesticidas perigosos, e passando por praticamente toda a superfície do planeta, o reinado dos agrotóxicos impera, impõe e sutilmente escapa das travas de proteção. Tudo isso com um alto custo para a população mundial, principalmente seus setores mais vulneráveis: os próprios trabalhadores agrícolas, as comunidades do entorno das lavouras e, o mais preocupante, as próprias crianças.

Tradução: Rose Lima

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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