PCC e CVM: Brasil corre o risco de se tornar paraíso para o capital criminoso e um inferno para investidor honesto
Sem resposta firme e coordenada, o crime organizado pode ampliar sua atuação no mercado regular, enquanto o investidor legítimo é penalizado
Antes de ser executado no aeroporto de Guarulhos, o empresário Antônio Vinícius Gritzbach revelou a infiltração do crime organizado no mercado de ativos regulares. Sua delação apontou para policiais civis corruptos, mas, com o avanço das investigações, descobriu-se que o esquema é muito mais robusto.
O policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior era dono de uma fintech que lavava dinheiro para Rafael “Japa” e Anselmo “Cara Preta”, do PCC. O que se sabe agora é que a 2GO Bank, fundada pelo policial, era apenas uma fração do esquema.
Um estudo de junho de 2025, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que PCC e Comando Vermelho usam plataformas de apostas online, outras fintechs e criptomoedas para lavar dinheiro, com aplicações em fundos de investimentos diversos.
Nos últimos anos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) especializou-se em vigiar o empresário formal. Operações societárias corriqueiras, reestruturações de capital, disputas entre acionistas ou até fusões com lógica econômica clara se tornaram alvos de escrutínio público e imediato. O rigor não é problema — desde que seja isonômico. Mas não é.
Enquanto a CVM concentra esforços em minúcias de governança e interpretações expansivas de deveres fiduciários, estruturas criminosas avançam com fluidez por dentro do sistema.
O crime organizado já investe em fundos, estrutura empresas, disputa concessões e acessa capital sem despertar a mesma atenção. Não desafia as regras — apenas se adapta a elas com eficiência surpreendente.
No início de 2025, a Operação Hydra, desencadeada pelo Ministério Público de São Paulo e pela Polícia Federal, desbaratou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro via a fintech do policial civil, e também do InvBank, outra fintech.
Essas empresas faziam transferências via “contas de laranjas”, depois convertiam os valores em imóveis e outros ativos de fachada, dando aparência de legalidade às operações.
A fintech 4TBank, que operava sem autorização do Banco Central, movimentou entre R$ 6 e R$ 8 bilhões, parte em espécie, beneficiando grupos criminosos.
A 2GO Bank também transferiu mais de US$ 82 milhões em criptoativos para contas de offshores no exterior, por meios em que as regras são mínimas, e a fiscalização, quase nula.
Especialistas e agentes do setor financeiro apontam que parte significativa da responsabilidade pela escalada desses esquemas recai sobre a CVM. O órgão, que deveria supervisionar o mercado de capitais e proteger os investidores, vem adotando uma postura contraditória
Nos últimos anos, a CVM apertou as regras para pequenos investidores, limitando o acesso a produtos como FIDCs, fundos estruturados e plataformas de crowdfunding, sob a justificativa de “proteger o consumidor”.
Houve endurecimento dos critérios para “investidor qualificado” e uma série de novas exigências regulatórias para plataformas de investimentos legítimas — o que gerou críticas por prejudicar a democratização do acesso ao mercado de capitais.
Enquanto isso, fintechs sem registro, plataformas cripto não auditadas e casas de apostas online operam com liberdade quase total. A CVM, ao não considerar essas modalidades como parte de sua jurisdição ou ao postergar regulamentações específicas, falha em reconhecer a crescente infiltração do crime organizado nesse mercado.
Essa desconexão cria um paradoxo: o investidor comum enfrenta obstáculos crescentes para acessar investimentos lícitos e diversificados, enquanto redes criminosas movimentam bilhões sem qualquer supervisão efetiva.
Além de permitir o florescimento de estruturas financeiras paralelas, essa assimetria regulatória impõe um risco sistêmico e reputacional ao Brasil.
A percepção de que o sistema financeiro brasileiro é vulnerável à infiltração de facções criminosas e ineficiente na regulação digital pode afastar multinacionais estrangeiras que exigem padrões de compliance robustos.
Esse ambiente também pode afastar fundos institucionais internacionais que seguem normas ESG (environmental, social e de governança) e de combate à lavagem de dinheiro.
Se não houver fiscalização efetiva, o mercado de ativos pode perder gestores e fundos brasileiros sérios, que se veem penalizados pela concorrência desleal com plataformas criminosas não supervisionadas.
O resultado é um ambiente hostil ao capital produtivo e transparente, e cada vez mais fértil ao capital ilícito e opaco. Essa dinâmica mina a confiança no mercado, compromete a integridade das instituições financeiras e ameaça diretamente o desenvolvimento econômico sustentável do país.
Financiamento político e o que precisa mudar
A 4TBank, além de atuar como veículo de lavagem, está sendo investigada por financiar campanhas eleitorais em cidades como Mogi das Cruzes e Ubatuba, com valores advindos diretamente de estruturas criminosas ligadas ao PCC. A ação revela o potencial desestabilizador da infiltração financeira do crime nas instituições democráticas.
No Rio de Janeiro, a Polícia Civil elaborou relatório com 25 candidatos que tiveram financiamento do Comando Vermelho e também das milícias.
Para conter o avanço das facções no mercado financeiro, especialistas apontam a necessidade de ampliação da jurisdição da CVM e Banco Central, incluindo fintechs pequenas, exchanges cripto e plataformas de apostas; a adoção de sistemas de compliance e auditoria obrigatórios para todas as plataformas com movimentação digital; Integração de dados entre órgãos reguladores e segurança pública, a fim de rastrear e prevenir operações suspeitas; a criação de um marco regulatório unificado que trate fintechs, criptoativos e apostas como parte do ecossistema financeiro regulado.
A infiltração do PCC e do Comando Vermelho em fintechs, criptomoedas e apostas evidencia a transição do crime organizado para o crime corporativo. A CVM, ao restringir cada vez mais os investimentos lícitos e ignorar o avanço do crime sobre as finanças digitais, não apenas falha em sua missão de proteger o mercado, como também cria um ambiente hostil ao capital sério e transparente.
Sem uma resposta firme e coordenada, o Brasil corre o risco de se tornar um paraíso para o capital criminoso — e um inferno para o investidor honesto. O preço dessa omissão pode ser alto: não apenas em bilhões lavados, mas na perda de credibilidade, de investimentos estratégicos e de soberania institucional.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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