Patrícia
Meu irmão nem sabe, mas com seus 70 anos, me deu a chance de reencontrar esta linda patrícia chamada Lisboa. Presente inesquecível
Dou sorte com Patrícias. A vida e o trabalho me deram boas amigas com esse nome. Se hoje Helena e Alice voltaram aos cartórios, ali pelos anos 1970, Patrícia era o nome da moda. Hoje, as meninas daquela época são mulheres na faixa dos 50.
Já patrícia, com “p” minúsculo, também é nome de cachaça, sinônimo de pessoa nobre e ainda quer dizer conterrânea. Meu pai chamava os portugueses de patrícios. Eu, que estou em Lisboa, já adotei a cidade como minha patrícia.
O que me trouxe aqui foi o desejo de cantar parabéns pro meu irmão, o Pedro, que fez 70 anos e já é quase um “alfacinha.”
Entre o desembarque no aeroporto e o abraço de aniversário, caminhei bastante pela cidade, que, já perto do verão, tem dias calorosos e tardes largas. Só por volta das nove horas é que vem a noite.
“Aproveite o vento”. Sábio conselho que recebi ainda no Brasil.
Lisboa tem mesmo um vento gentil, que não derruba, nem desmancha, no máximo despenteia e desarruma as tardes.
Mais que brisa, menos que ventania, o vento macio refresca e não congela. Geme manso pelas esquinas e pinta as calçadas com o lilás azulado dos jacarandás.
E assim, com o vento a favor e o tempo dos desocupados, vi a cidade até onde foi possível alcançar.
Vi e, importante, ouvi.
Joaquim dirige há 24 anos em Lisboa. Não gosta de buzina. Nem do som e nem da palavra. Em meio a um congestionamento ensurdecedor, protestou.
“Não sei por que estão a apitar!”
Repare, que o verbo “apitar” vai no infinitivo e não no gerúndio “apitando”, como é comum dizermos no Brasil.
Portugueses não “estão dirigindo”, nem “falando”, “estão a dirigir” e “a falar”. Se o gerúndio vai “transmitindo” certa calmaria; o infinitivo já está “a comunicar”. É quase uma urgência.
Quanto mais ouvimos, mais aprendemos. Num boteco brasileiro, depois do pedido, o garçom nos pergunta: “O senhor deseja mais alguma coisa?”; aqui a frase vem resumida: “É tudo?”
No cartaz da farmácia, a astúcia da publicidade lusitana: NÃO FAZEMOS PROMOÇÕES, NOSSOS PREÇOS SÃO BAIXOS E CONSTANTES.
Como ensina o lema da escola de samba Salgueiro, “nem melhor nem pior, apenas diferente.”
Banheiro em Portugal é como se chama o profissional que cuida da nossa segurança no banho de mar.
Bicha é fila de espera.
Puto é garoto.
Punheta é um punhado de algo.
Este português carregado de Portugal me põe a sonhar: se aprender mais um pouco já falarei dois idiomas, o português brasileiro e este aqui, do outro lado do Atlântico.
Aí basta treinar o Portunhol e pronto: me sentirei um poliglota, que domina 3 línguas. Para quem nunca passou do intermediário nos cursos de Inglês, será a glória.
Quase dá para participar do concurso para diplomata. Será?
Certamente, não. Os diplomatas brasileiros são reconhecidos pela competência e boa formação, mas foi cá em Lisboa (já estou a treinar, percebes?) que um problema de comunicação entrou para história. Lá se vão quase 40 anos e pode ter havido um aumento aqui ou ali, mas o caso é mais ou menos assim.
Era José Sarney o presidente. Ele queria conhecer uma livraria bastante tradicional de Lisboa, mas na agenda cheia só restava a manhã de domingo.
A embaixada fez contato com a livraria:
- Fecha no domingo?
- Não, não fecha. Garantiu o dono da loja.
Domingo de manhã, lá se foram Sarney e sua comitiva de ministros e convidados; atrás deles jornalistas brasileiros ávidos por uma notícia que não fosse política. Quando todos chegaram ao endereço ficaram surpresos e decepcionados, a porta estava fechada.
Diante do vexame, funcionários brasileiros, dizem, protestaram com livreiro.
- A livraria está fechada e o senhor disse que ela não fechava domingo.
- Pois é claro. Se não abrimos, como podemos fechar? Cerrou no sábado, excelência, e abrirá na segunda.
Meu irmão nem sabe, mas com seus 70 anos, me deu a chance de reencontrar esta linda patrícia chamada Lisboa. Presente inesquecível.
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