O governo Lula romperia com o Congresso?
O governo tem que abandonar o republicanismo de araque, defende Arnóbio Rocha
Entre mortos e feridos, o governo Lula continua vivo e com números positivos e um estoque de entregas e perspectivas de melhoria da vida da maioria do país, pela diminuição do desemprego, aumento da renda, inflação sob controle, mas com preços altos do passado que não voltam. Apenas com maior renda mudará a visão negativa.
Nem otimista, nem pessimista, cada um sente as dores, suas impressões e visões sobre o momento. Depois de 6 meses de virada política, especialmente índices de popularidade e dificuldades no Congresso, tudo isso sem reversão a curto prazo, ao mesmo tempo em que se aproxima um novo período eleitoral, duas corridas contra o tempo.
Apenas para comparar: em julho de 2021, a avaliação de Bolsonaro era, em média:
- 25% ótimo
- 24% regular
- 51% ruim
Em setembro de 2021:
- 22% ótimo
- 23% regular
- 55% ruim
Um ano depois, com a economia em frangalhos e 700 mil mortos, teve 49,10% dos votos.
Claro, não se pode comparar mecanicamente as realidades, apenas ter alguns parâmetros de análise, com dados que podem ajudar a debater com um pouco mais de racionalidade. A situação atual é ruim, mas não vejo como desesperadora (ainda). Houve uma discreta melhora na Secom, melhores entregas na saúde e na educação.
A grande ausência continua sendo: qual é o norte da política e qual a marca tangível para a população do governo Lula III?
Falta identificar um “inimigo” claro do governo, aquele que serve de paradigma e que o governo se defende batendo nele. Uma ideia errônea é a de que se governa “para todos”. Quando levada ao extremo, não se percebem acertos e erros, em particular porque o Congresso, a Câmara especialmente, é o local em que a extrema-direita usa para desmoralizar/desgastar o governo, sabotar e lhe tirar os ganhos.
A derrota imposta na questão do IOF demonstra que Hugo Motta não tem capacidade de fazer acordos. Pior: é frágil e trai com prazer, mas não tem a habilidade e força de um Eduardo Cunha que possa meter medo a ponto de sinalizar um impeachment. No entanto, o governo é derrotado e a conta fica completamente para si.
Uma das decisões mais difíceis é romper com o ciclo vicioso aberto pelo golpe de 2016: os músculos e a autonomia que ganhou o Congresso, reforçado por dois governos entreguistas que simplesmente fecharam os olhos para o controle do orçamento público por políticos minúsculos. Nos dois primeiros anos do governo, houve tensões, mas o governo tinha energia e apoio popular, o que freou a sanha golpista do Congresso, além do controle maior que Arthur Lira exercia.
O governo tem que abandonar o republicanismo de araque, um luxo frente a uma horda selvagem de extrema-direita que não faz nem ideia do que sejam marcos civilizatórios e democracia.
O governo estabeleceu ótima relação com o STF, que o Congresso quer controlar. Então, a aliança tática deve virar estratégica e ir para o enfrentamento aberto com a Câmara, em particular, emparedar Hugo Motta, um cidadão com telhado de vidro, usar a força do governo e partir para cima. Demitir os indicados aos cargos públicos feitos pelos congressistas que votaram contra o governo, começando por ministros.
A reação deveria ser bem coordenada: retomar o controle do orçamento e das emendas, colocar o Congresso de volta ao seu lugar, pois parece que há um caminho sem volta imposto pela Câmara com uma aposta alta. Ou o governo dobra a aposta ou cairá — não por impeachment, mas por inanição.
Essa reação tem que ser aberta, pública, enfrentamento de mídia, falar diretamente para os trabalhadores e para a população em geral, chamar à defesa da democracia, das conquistas econômicas e das instituições sob ameaças.
O governo Lula teria essa ousadia?
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