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Ricardo Queiroz Pinheiro

Bibliotecário e pesquisador, militante do livro e leitura, doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC)

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O eixo do mal

É uma operação discursiva. Transformar ofensiva em resposta, beligerância em equilíbrio, destruição em estabilidade. Transformar o incendiário em bombeiro

Pessoas se reúnem perto de veículos danificados após ataques israelenses, em Teerã, Irã, em 13 de junho (Foto: Majid Asgaripour/WANA/Reuters)

Não é uma frase nova. Nem é fruto da inevitabilidade. Apenas retorna com o verniz técnico das análises de risco.

“Se Israel falhar em neutralizar o Irã...” — e o condicional já opera como autorização.

Não se discute o direito à defesa. Se ensaia o argumento da antecipação.

Drones cortam o céu de Tel Aviv. Mísseis partem de Natanz.

A escalada ganha imagens, gráficos e ruídos.

O alvo é o Irã — mas o protagonista da encenação é Israel, no papel estratégico da vítima útil.

Sua vulnerabilidade performada sustenta a ideia de urgência, de excepcionalidade.

Israel, potência nuclear não declarada, com apoio irrestrito dos EUA, posa de acuada para mobilizar o coro ocidental.

Enquanto isso, alertas circulam nos bastidores diplomáticos: petróleo, fuga de capitais, passagem de Ormuz bloqueada 

A escalada da guerra é precificada antes de ser anunciada.

O programa nuclear iraniano, que os EUA sabotaram ao romper o acordo em 2018, virou peça central.

Mais útil como ameaça do que como questão real resolvida.

É aí que o plano se acomoda.

A incapacidade calculada de Israel em conter o Irã justifica o próximo passo.

A presença americana “torna-se necessária”. O Capitão América singra o ar.

Bases são ativadas, porta-aviões reposicionados, sistemas Aegis acionados — tudo em nome da contenção.

Mas a contenção nunca é o fim. É o pretexto.

É uma operação discursiva.

Transformar ofensiva em resposta, beligerância em equilíbrio, destruição em estabilidade.

Transformar o incendiário em bombeiro.

Os gestos falam antes dos tiros.

A linguagem calibrada, os comunicados “técnicos”, a cobertura “analítica”.

Não se declara guerra. Se constroem consensos e cidades destruídas se transformam em cartão postal da única paz possível. 

E quando vier, parecerá inevitável.

Porque foi ensaiada, encenada, repetida — não nas ruas, mas nas redações.

Não nos parlamentos, mas nos mercados.

E a adesão já estará pronta. Como sempre esteve.

O Irã é o próximo.

Mas o espelho está aqui, diante dos olhos: Gaza, massacrada e em ruínas.

Gaza nunca foi exceção, é um modelo praticado há décadas. Campo de testes, vitrine de impunidade, espetáculo de punição coletiva que produz naturalização global. Genocídio, limpeza étnica.

Ali, o mundo já se acostumou com crianças mortas, hospitais destruídos, jornalistas assassinados. E essa aceitação silenciosa é parte do manual.

E não esqueçamos do Iraque, Líbia, Síria. 

A diplomacia não colapsou. Foi cuidadosamente esvaziada. O cinismo de Trump durante essa semana é o protótipo.

Organismos internacionais são citados, mas ignorados. Relatórios são redigidos, reuniões marcadas. Os conflitos internos de cada país sao cuidadosamente colocados no tabuleiro. 

A linguagem da legalidade é background conveniente. Em seu lugar, vigora a "segurança nacional" — termo plastificado que justifica qualquer massacre e anestesia qualquer crítica.

O “Eixo do Mal” continua vivo.

Como o rótulo oficial funcional de destruição do outr, o código operativo, o próximo passo do protocolo.

Hoje, não precisa ser dito: basta ser insinuado. O Irã, cercado, demonizado, sancionado, é a peça final desse tabuleiro.

O roteiro é antigo. A linguagem muda. As ruínas se repetem. E a paz rescende carniça.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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