Não é apenas a economia, estúpidos
'Lula terá apoio dos que forem atingidos no que há de mais caro para todos nós: a independência', escreve a jornalista Denise Assis
As redes sociais nos trouxeram o imediato, um palanque para cada um, as atualizações alucinantes de informação. Seja de que qualidade for. Trouxe, também, o lado da informalidade que transpôs a liturgia dos cargos das instituições, que foi parar ali, no ringue em que todos frequentam. Foi assim, no meio da turba, que Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos – ainda a maior potência entre os diversos países, mesmo que em decadência -, plantou a sua carta ao governo brasileiro, o documento de maior peso político da atualidade. Embora encimada pelo timbre da Casa Branca, estava ali, ao lado dos chiliques do Nikolas e anúncios de agências de viagem.
Lula estranhou, embora ele mesmo tenha respondido pelo mesmo meio. Talvez num ímpeto. O mesmo que colheu a todos nós, num misto de surpresa e indignação. Pode-se imaginar o quanto o seu sangue ferveu, pela reação de sua mulher, Janja, que chamou os que se colocaram em aplauso a Trump, como o governador de São Paulo, o militar reformado, Tarcísio de Freitas. (O Exército Brasileiro não ensina mais a ter espírito cívico?).
Mas, enfim, estamos falando é da “liturgia do cargo”, expressão cunhada pelo ex-presidente José Sarney, para significar a postura de um presidente da República e todos os rituais que a investidura desse título envolve. Vale lembrar que o primeiro a quebrar o protocolo no Brasil foi ele, o golpista Michel – que desde 2016 - começou a emitir os seus comunicados pela rede.
Ninguém se importou porque, afinal, Temer entrou metendo o pé na porta, era um presidente meia-boca. Nunca passou do índice de um dígito de aprovação. De Jair Bolsonaro não se esperava outro fórum, pois certamente não saberia redigir nada decente e muito menos segurar entre os dedos uma caneta tinteiro, de pena fina, para escrever em um papel encimado pelo brasão da República.
Pela X ou por vias diplomáticas, certo é que fomos colhidos por uma ameaça política da maior virulência. Uma chantagem, como já foi denunciado à exaustão. É como se Trump, com o pé sobre o botão vermelho da bomba nos dissesse: “soltem o meu comparsa ou faço tudo voar pelos ares”. Cena de desenho animado? Antes fosse. Passagem política da maior gravidade, como apontou o prêmio Nobel de economia, Paul Krugman.
No Brasil, porém, por conveniência da mídia tradicional, ou por má fé, o foco tem sido prioritariamente a economia. Claro que as análises do setor têm que ser feitas. Segmento por segmento, principalmente para desmontar a falácia de Trump, de que os EUA têm uma relação deficitária com o Brasil, quando sabemos que na balança comercial os pratos pendem para o lado de cá. Compramos muito mais do que vendemos para eles.
Porém, destacar como fizeram hoje (11/07), os comentaristas, que Lula quer dar destaque e um tom patriótico à questão, é gritar na nossa cara que não se importam, que estão se lixando para o fator “soberania”. Dessa vez, o ponto é a política. E não há como fugir disso, quando se volta à “carta” – ou seria ao post? – do presidente estadunidense:
“A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos (como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes. Mercadorias transbordadas para tentar evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a essa tarifa mais alta”.
O nome disso é “intervenção política”. Lula não tem outro papel, no momento, a não ser lutar contra a ingerência na soberania nacional. O que Trump exige “IMEDIATAMENTE” – a anistia de Bolsonaro e a liberdade para as Big Techs, é a renúncia a esse bem maior, a soberania. Direcionar a discussão apenas para o foco econômico, deixando no ar que Lula está tirando proveito político do episódio é um comportamento pouco cívico. As ameaças, tanto de Eduardo Bolsonaro, quanto de Flávio Bolsonaro, nos fez sentir como se todos tivéssemos uma arma apontada para a cabeça: Ou aceita ou perde! Parecem dizer em suas falas.
Do ponto de vista estratégico, as 58 toneladas de pescado que podem estragar no porto, e o fechamento do mercado dos EUA aos produtos brasileiros obrigará o nosso país a buscar outros parceiros. O que não podemos, porém, é ceder às chantagens dos sequestradores – é assim que soa -, quando há muitas camadas nessas ordens dadas por eles.
Há um judiciário no meio do caminho, trabalhando com provas robustas e contundentes de que, sim, a gangue que assaltou o poder e dele não queria sair, responderá por seus crimes. Sim, um grupo seleto de empresários patriotas (ou que seja também pelos seus negócios, ou principalmente por eles), se unirão em defesa dos seus mercados. Sim, Lula buscará e terá o apoio de quantos se sentiram atingidos no que há de mais caro para todos nós, a independência e a liberdade de levar as nossas vidas sem intromissão ou ameaças. Ser patriota nesse momento tem o sentido de ter vergonha na cara. É disso que se trata. Não é apenas a economia, estúpidos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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