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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Marco Aurélio de Carvalho, do Prerrogativas, classifica de extravagante a posição de Moraes sobre IOF

Marco Aurélio Carvalho se posicionou a favor da providência do advogado-geral da União, Jorge Messias, de judicializar a questão

Marco Aurélio de Carvalho (Foto: Reprodução)

O 247 conversou nesta sexta-feira (04/07) com o advogado Marco Aurélio de Carvalho, conhecido por sua atuação em prol das prerrogativas profissionais dos advogados e do direito de defesa. Ele é fundador do Grupo Prerrogativas, que atua na defesa da democracia. Muito próximo do presidente Lula, Carvalho costuma ser ouvido em situações em que o Direito entra em discussão. Nesta semana que termina, sua atenção ficou voltada para as manobras do Congresso, que vetou o projeto de Lula, propondo um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

O projeto previa a cobrança de uma pequena taxa dos 140 mil muito ricos do país, deixando de onerar, com uma alíquota de 27,5%, apenas os pobres e a classe média na arrecadação de impostos. Ficou muito claro para a sociedade que os muito pobres não fazem operações financeiras e nem de longe remetem moedas para fora do país. Só para ficar nesse ponto. Houve, então, um verdadeiro despertar de consciências. Em uma semana, as redes sociais foram infestadas por vídeos falando do absurdo que é, por exemplo, o pobre pagar imposto sobre os seus carrinhos 1.0, quando os magnatas pagam zero por seus jatinhos e iates.

Toda essa exposição incomodou não só os parlamentares, mas a mídia, de forma geral. Assustada, vendo pela primeira vez a voz dos desvalidos apontando o dedo para os parlamentares que vetaram o aumento proposto pelo Executivo, numa forma de reduzir o fosso social existente entre os muito ricos e os pobres, ela atacou: “O PT ressuscitou o ‘nós contra eles’.” De posse de um discurso que já vinha ensaiando, jogou no ar a saída “pela direita”, sugerindo a instituição de um sistema de governo que não pode ser mudado à galega, sem consulta popular. A última organizada, em 1993, disse um “não rotundo” para a alternativa do parlamentarismo, forma utilizada lá atrás – 1961 – para enfraquecer o presidente João Goulart, que acabou derrubado. Marco Aurélio Carvalho se posicionou a favor da providência do advogado-geral da União, Jorge Messias, de judicializar a questão.

DA – 247 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu à votação esmagadora do Congresso (383 x 98 votos), que revogou o seu direito de legislar (conforme descrito na Constituição) sobre esse tributo, que tem por objetivo reduzir a desigualdade entre os que pagam – cerca de 25 milhões – e os que não pagam – 140 mil. Você foi um dos participantes da discussão sobre a judicialização, que resultou na entrada no STF de uma Ação de Constitucionalidade pedindo que se mantenha o decreto de Lula. Agora o Supremo chamou para uma conciliação. Isso é comum?

MA – A decisão do ministro Alexandre é extravagante. Não há, na verdade, espaço para conciliação. A questão é simples e requer uma resposta objetiva: se há ou não inconstitucionalidade no Legislativo brasileiro. Nós entendemos que há. É induvidosa essa discussão. Houve uma captura irregular de uma competência do Poder Executivo, pelo Poder Legislativo, o que afronta o princípio da autonomia dos poderes. Portanto, nós estamos diante de um gravíssimo precedente que pode se formar para criar uma situação de ingovernabilidade no país.

O governo agiu de forma serena, muito madura. O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, merece o nosso aplauso, inclusive ao escolher o caminho de uma Ação de Constitucionalidade, para deixar claro que ele não quer confrontar o Congresso Nacional. Mas ele quer preservar uma competência que é, na verdade, do Poder Executivo.

A confusão gerada por essa invasão indevida do Poder Legislativo nas competências do Poder Executivo é tão grande que o Poder Judiciário só poderia fazer uma espécie de controle de legalidade do poder do Parlamento, que avocou para si um poder que não tem, para conciliar o que não se pode conciliar. Na verdade, o que cabe ao Supremo é fazer uma interpretação conforme a Constituição. Inclusive induvidosa. Muito fácil de se fazer por qualquer operador do Direito. Até um “primeiroanista”, que está ingressando nos trâmites acadêmicos, mas que já tem a noção exata da importância da preservação de um princípio fundante do Estado de Direito e da democracia. De qualquer democracia do mundo, que é a independência e a separação dos poderes, que precisam funcionar de forma independente e harmônica.

Manobras radicais

DA – Ontem o ex-presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), e o atual, Hugo Motta (Republicanos-PB), ensaiaram elaborar um projeto que barre os partidos com menor número de cadeiras na Câmara de recorrer ao STF, dando entrada em qualquer tipo de ação contra decisões da Casa. Isso não é uma atitude autoritária, antidemocrática?

MA – Uma medida absolutamente autoritária por parte do presidente da Câmara e do presidente do Senado, que procura calar a voz das “minorias”. Vamos lembrar que a Câmara e o Senado representam todas as vozes da sociedade brasileira. É uma medida muito preocupante. A sociedade tem que reagir. É muito importante que o direito da “minoria” de se manifestar seja preservado. É assim que a gente constrói um ambiente saudável, com as divergências e os consensos possíveis. Isso é próprio do debate. Tentar de alguma forma calar algum tipo de voz é, no mínimo, questionável. A gente tem que repreender com veemência.

DA – A atitude do governo de entrar com ação contra a votação que derrubou o aumento do IOF provocou uma onda de memes contra o Congresso e filmetes alertando a população sobre o quanto é injusto a classe média e os pobres pagarem tantos impostos – em cada produto que compram, há imposto embutido –, o que onera proporcionalmente os menos favorecidos. O presidente se ateve à Constituição. No entanto, partidos que estão no governo, na “frente ampla”, se revoltaram. Eles votaram a favor da derrubada do veto de Lula, mesmo mantendo ministros no governo. Você se colocou a favor de demiti-los. Em sua opinião, o governo fará isso neste momento? Isso não acirra os ânimos?

O povo elegeu o projeto de Lula

MA – É fundamental que o presidente repactue as condições dessa aliança, dentro de uma agenda mínima que possa permitir que o país seja reconstruído. Não há surpresa nenhuma, nós fomos eleitos com um projeto. O presidente, na verdade, está implementando esse projeto. O que me parece estranho é a surpresa que isso provoca em outros setores.

De um lado, nós estamos lutando por um país mais inclusivo, mais representativo da sociedade onde nós vivemos. É uma sociedade onde um grande número de pessoas ainda vive muito aquém de uma condição digna de sobrevivência, né? De um lado, nós temos um projeto de justiça tributária e, do outro, de privilégios e da manutenção desses privilégios. É isso que está em confronto, mas o projeto que se sagrou vitorioso nas eleições de 2022 foi o projeto do presidente Lula. Cabe a ele, portanto, as condições de implementá-lo. O que o Parlamento está tentando fazer é conter a vontade popular, por meio de manobras que são diversionistas.

DA – O STF, ao deixar de legislar sobre a ação do presidente Lula sobre o IOF e chamar para uma reunião de conciliação, está fazendo política ou Justiça?

MA – O STF está avocando para si um poder que não tem, que é o poder moderador, um controle dos lados. Na verdade, isso talvez seja o resultado da confusão provocada pelo Parlamento brasileiro ao avocar para si as competências que são do Poder Executivo. Esse ataque ao princípio da autonomia dos poderes, que devem funcionar de forma harmônica entre si, acabou dando ao Supremo um espaço que ele não tem. Não existe conciliação nesse caso. O Supremo tem que responder de forma objetiva se a revogação do decreto presidencial é legal ou não. Nesse caso, não há discussão. É simplesmente ilegal, indevida, equivocada e precisa ser revista.

A ministra Gleisi merece o nosso aplauso

DA – A ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, pediu que os filmetes produzidos sobre a questão do IOF e a injustiça tributária amenizem as críticas quanto à pessoa do presidente da Câmara, que está sendo chamado, nos vídeos, de “Hugo não se Importa”. Você acredita que houve um despertar de consciência na sociedade, com relação a esse fosso social que o país vive? Deve-se “aliviar” as críticas em nome da governabilidade?

MA – A ministra Gleisi merece o nosso reconhecimento, o nosso aplauso, pela forma combativa com que sempre age na defesa do presidente Lula e do nosso governo. Ela está tentando, na verdade, mediar essa situação, propondo um diálogo.

Compreendo a situação dela e acho que realmente as críticas não devem ser pessoais, mas o presidente da Câmara corporifica, na verdade, o tipo de postura que é, não só dele, mas também de alguns colegas, e que, de alguma forma, causa ofensa à sociedade brasileira, que está esperando uma resposta, digamos, à altura da confiança que foi depositada no ombro de cada um desses parlamentares.

Revolução pacífica

O Congresso talvez tenha imaginado que possuía uma espécie de crédito acumulado com a população, mas não tem. A população tem desconfiança das intenções reais de cada um dos deputados que compõem a atual legislatura. E o Congresso, que podia fazer parte da solução, hoje infelizmente tem mostrado à sociedade que faz parte do problema. Talvez esse seja um dos principais problemas do país.

DA – Um certo canal de TV chamou a campanha de alerta de “briga de rua” e perguntou onde se quer chegar: “à revolução”? Esse movimento não é uma espécie de “revolução pacífica”?

MA – Objetivamente, houve um despertar da consciência de cada um dos cidadãos brasileiros que se confrontou com o antagonismo de dois projetos: de um país mais inclusivo, de um lado, e de um país de privilégios, do outro. Eu acho que nós temos que agir com absoluta compreensão do momento político que todos nós estamos vivendo e não temos que aliviar.

Ao contrário, precisamos intensificar as críticas, que são muito legítimas. Esse movimento é voluntário, é espontâneo e não deixa de ser uma espécie de revolução pacífica. Está aí o grande mérito. A sociedade, ao que parece, se levantou, acordou, e isso é muito positivo, é muito saudável para qualquer democracia. Eu acho que o Parlamento recebeu um alerta. Espero que ele tenha condições de ouvir a voz do povo e compreender qual é o papel dele nessa crise que ele próprio criou. Ele pode deixar de ser parte do problema para passar a ser parte da solução, se tiver interesse legítimo.

DA – A mídia acusou o PT de ressuscitar o “nós contra eles”, movimento que nunca existiu, foi apenas um rótulo criado por ela para estigmatizar o partido. Lideranças dos movimentos sociais devolveram, dizendo que é mais correto falar em “eles contra nós”. O que acha do crescimento dessa movimentação? É positivo?

MA – Veja, isto é uma bobagem. Sempre houve polarização no país. Não só no Brasil, mas no mundo, de modo geral. A polarização alimenta as democracias, e isso é muito saudável. E, se realmente há algum movimento, foi muito feliz essa definição: é deles contra nós.

O projeto que ganhou as eleições presidenciais é esse projeto de um país mais inclusivo, mais diverso, mais representativo de uma sociedade que quer avançar, que já tem alguns direitos garantidos, em especial pelos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, mas que quer avançar na perspectiva de conquistar outros. Isso tudo é muito legítimo. Então, se existe algum movimento, é deles contra nós, exatamente na perspectiva de manter privilégios que são inaceitáveis, inexplicáveis e revoltantes.

DA – Outra acusação da mídia é a de que o governo antecipou a campanha de 2026. Você poderia situar onde foi que tudo começou?

MA – Nós não desrespeitamos o debate de 2026. Quem antecipou o debate de 2026 foi o Parlamento – ou parte do Parlamento, para ser justo. Quando, na verdade, o Legislativo avocou para si competências que originalmente foram atribuídas a outro poder: ao Poder Executivo. Depois de ter capturado parte significativa do nosso orçamento por meio das emendas impositivas. Então, o ataque à autonomia dos poderes, para tentar, de alguma forma, promover uma espécie de parlamentarismo às avessas, sem consulta popular, sem referendo, sem plebiscito, sem qualquer coisa do gênero, foi um ataque promovido pelo Parlamento brasileiro. É dele, portanto, a responsabilidade de ter iniciado esse processo de disputa eleitoral, que, em circunstâncias normais, só se daria – ou deveria se dar – a partir de 2026.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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