Investigação jornalística contra a escrita das IAs
Detetive textual desvenda os segredos da escrita de IA, revelando marcas que desafiam jornalistas, escritores e professores a preservar a autenticidade humana
A escrita das máquinas revela padrões que desafiam a pena humana, mas também seduzem com sua lógica fluida. Em um mundo onde textos gerados por inteligência artificial (IA) como ChatGPT, Gemini e DeepSeek inundam redações, salas de aula e escritórios, reconhecer suas marcas textuais tornou-se uma habilidade essencial. Este artigo mergulha nas peculiaridades estilísticas dessas ferramentas, oferecendo um mapa para jornalistas, professores, escritores, advogados e consultores que buscam dominar — ou desmascarar — a escrita das máquinas. Como Jack, os leitores sabem qual, vamos agora por partes:
Uma cena reveladora
Imagine um editor de jornal, café em mãos, revisando um artigo. As palavras dançam com fluidez, mas algo soa… mecânico. Parágrafos curtos, conectores abundantes, metáforas como “teia complexa” ou “tapeçaria de ideias” pipocam. É a IA, sussurra a intuição. Estudos do Federal Reserve (FED) sobre automação textual e relatórios do Banco Mundial sobre tecnologia e educação confirmam: a escrita de IAs está remodelando a comunicação. Mas como identificá-la?
Conectores que dão liga às ideias
A IA adora tecer suas frases com conectores. Palavras como “portanto”, “contudo” e “entretanto” aparecem com frequência incomum, quase como se a máquina temesse deixar lacunas. Adverbiais com “com” e “como” — “com um senso de urgência” ou “como se o mundo dependesse disso” — são outra assinatura. Essa costura, embora eficaz, pode soar redundante, especialmente quando comparada à economia verbal de textos humanos.
Parágrafos como ilhas
Outra marca é a fragmentação. A IA divide textos em parágrafos curtos, geralmente de 8 a 17, cada um encapsulando uma ideia isolada. Essa estrutura, ideal para clareza digital, contrasta com a fluidez narrativa de escritores experientes, que constroem pontes entre parágrafos. Para a IA, cada bloco é uma ilha, raramente conectada por transições sutis.
O travessão como pausa dramática
O travessão — esse recurso estilístico — é um favorito das IAs. Ele surge para inserir explicações, adicionar nuances ou criar um tom conversacional. “A tecnologia avança — mas a que custo?” é o tipo de frase que ChatGPT adora. Essa pontuação, embora eficaz, pode se tornar previsível, denunciando a mão mecânica por trás do texto. Tenho dois amigos escritores que ainda nos anos 1990 chegavam a abusar do uso de travessões. Deveriam deixar de usá-lo só porque as IAs se apropriaram deles? Claro que não. Mas já é tema para outro artigo.
Títulos com dois pontos
Nos títulos, a IA frequentemente recorre aos dois pontos. Estruturas como “Tecnologia e sociedade: o impacto da IA” são comuns, criando hierarquia e clareza. Pesquisadores de prompts, em fóruns como Stack Exchange e comunidades de tecnologia, notam que essa fórmula é quase um reflexo automático, usada para organizar ideias complexas em manchetes concisas.
Listas e ênfases em negrito
A IA também ama destacar informações. Termos-chave aparecem em negrito, e listas numeradas ou com marcadores são onipresentes. Essa prática, embora didática, pode parecer exagerada, como se a máquina quisesse garantir que nada passe despercebido. Um relatório do FMI sobre comunicação digital sugere que esse estilo reflete a adaptação das IAs às preferências de leitura online.
Espaços duplos e outros vestígios
Um detalhe curioso: algumas IAs inserem dois espaços após o ponto final, um resquício de convenções tipográficas antigas. Embora sutil, esse padrão mecânico é um sinal revelador, especialmente em textos longos. Usuários em fóruns como Stack Exchange frequentemente apontam essa peculiaridade ao analisar outputs de ferramentas como DeepSeek.
Expressões que freiam o ritmo
Frases como “Vale ressaltar que…”, “Lembre-se que…” ou “Por fim…” são travas estilísticas das IAs. Esses marcadores de transição, usados para guiar o leitor, criam um tom didático, quase professoral. Embora úteis, sua repetição excessiva soa artificial, como um professor que explica demais.
Palavras que ecoam
Uma análise semiautorizada de textos jornalísticos gerados por ChatGPT revela palavras e expressões com alta frequência:
Conectivos: “portanto”, “embora”, “contudo”, “entretanto”.
Termos analíticos: “dados”, “especialistas”, “relatório”, “impacto”.
Contextuais: “cenário”, “atualmente”, “tendência”, “desafios”.
Marcadores: “vale ressaltar”, “em síntese”, “por fim”.
Essas palavras, segundo comunidades de tecnologia, aparecem com uma frequência significativamente maior do que em textos humanos, criando um tom quase padronizado.
Metáforas e analogias pra lá de previsíveis
As IAs têm um apego por metáforas visuais. Expressões como “tapeçaria de ideias”, “teia complexa”, “farol de esperança” ou “mosaico cultural” são tão frequentes que se tornaram clichês. Um exemplo típico: “Imagine uma tapeçaria de significados — fios entrelaçados que revelam, pouco a pouco, o padrão da narrativa.” Note o travessão, a metáfora visual e termos como “revelar” ou “pouco a pouco”, todos sinais de um estilo algorítmico.
Além dos clichês, as IAs recorrem a palavras repetidas em metáforas: “nuances”, “matizado”, “intrincado”, “complexo”, “mergulhar”, “revelar”, “promover”. Frases como “mergulhar em um contexto complexo” ou “revelar nuances intrincadas” são comuns, refletindo um vocabulário limitado para analogias. Essas escolhas, embora poéticas, denunciam a falta de originalidade.
Um ritmo híbrido
A escrita de IAs combina sentenças curtas e longas, criando um ritmo fluido, mas previsível. Pontuação variada — travessões, ponto e vírgula, parênteses — adiciona dinamismo, enquanto a mistura de tons formal e informal (“Digamos que…” seguido de análise densa) busca engajar. Encerramentos reflexivos, como “Cabe questionar se…”, são outra marca, convidando o leitor a pensar.
Em busca do equilíbrio com a IA
Não se trata de demonizar a IA, mas de clamar por sensatez. Como escritor, jornalista e professor universitário com décadas de experiência, defendo que a moderação é chave. A IA é uma ferramenta poderosa, capaz de realizar pesquisas com rapidez e, estimo, 80% de confiabilidade. Contudo, ao menos 10% das fontes devem ser checadas aleatoriamente para garantir credibilidade. Um texto gerado por IA nunca superará a Inteligência Humana Natural (IHN), como chamo, pois esta carrega autenticidade, originalidade e o DNA intelectual de cada autor — nossa história, estilo e visão única do mundo. A IA, por outro lado, é um amontoado de informações compiladas em busca de coesão e coerência.
Se alguém optar por usar a IA como um “alter ego” textual, que o faça por sua conta e risco. Um texto escrito por você, humano, pode ser apresentado sem depender de leitura; já um texto “seu” gerado por IA exige esforço para lembrar até o título ou a ideia central. Isso revela a distância entre a máquina e a alma da escrita.
A escrita é dança de lógica e artifício
A escrita de IAs é uma dança de lógica e artifício. Suas marcas — conectores excessivos, parágrafos curtos, metáforas clichês — são tanto sua força quanto sua fraqueza. Contudo, uma advertência: conectivos, advérbios, travessões e dois pontos são também traços humanos, usados por amadores e profissionais da palavra. Encontrar essas marcas não nega a autoria humana; o problema surge quando as coincidências com a máquina são excessivas. Para profissionais da palavra, reconhecer esses padrões é um exercício de preservar a autenticidade. Cabe a nós usar a IA com equilíbrio, garantindo que a voz humana — com sua história, paixão e originalidade — continue a brilhar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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