Está em curso uma operação para salvar o dólar?
O dólar norte-americano sustenta o comércio global, mas sua dominância enfrenta questionamentos em meio a tensões geopolíticas e mudanças econômicas
O dólar norte-americano sustenta o comércio global, mas sua dominância enfrenta questionamentos em meio a tensões geopolíticas e mudanças econômicas. Especulações apontam para uma “operação” dos Estados Unidos para preservar sua centralidade, especialmente diante da ascensão da China e de decisões como a venda forçada do TikTok.
Papel e história do dólar
O dólar é usado em 88% das transações internacionais, segundo o SWIFT (2023), e compõe 59% das reservas cambiais, conforme o FMI (2024). Ele precifica commodities como petróleo e ouro, simplificando contratos comerciais. Os títulos do Tesouro dos EUA, vistos como seguros, atraem capital em crises, mantendo a demanda pela moeda.
Esse privilégio permite financiar déficits fiscais de US$ 1,8 trilhão em 2024, segundo o Congressional Budget Office, com juros baixos. No entanto, decisões do Federal Reserve, como a taxa de 4,5% em 2024, geram depreciação cambial e inflação em economias emergentes, destacando desigualdades.
A supremacia do dólar foi estabelecida pelos Acordos de Bretton Woods em 1944, que o vincularam ao ouro. Após o fim da convertibilidade em 1971, a força econômica e militar dos EUA e a petrodolarização, iniciada nos anos 1970 com a OPEP, consolidaram sua posição. O dólar é essencial até em transações entre terceiros, como Brasil e China, reforçando sua relevância global.
Estratégias para proteger o dólar
O texto do America-China Watcher sugere que os EUA provocam instabilidade global, por meio de sanções, conflitos no Oriente Médio, ou pressões sobre a China, para atrair capital aos títulos do Tesouro, fortalecendo o dólar. Essa tática compensaria a dívida pública de US$ 33 trilhões, equivalente a 120% do PIB em 2024.
A China, porém, resiste, com um mercado interno de 1,4 bilhão de consumidores, avanços em tecnologias como 5G, e uma dissuasão militar robusta. Investimentos no Leste Asiático cresceram 12% em 2024, segundo a UNCTAD, refletindo estabilidade regional que desafia a ideia de que crises favorecem o dólar.
Conflitos envolvendo Israel e Irã seriam usados para desestabilizar mercados, mas guerras em larga escala são insustentáveis devido aos custos e ao risco de desviar atenção de frentes como Taiwan, onde a China realiza exercícios militares. Essa dinâmica revela a complexidade de manter a hegemonia do dólar em um mundo multipolar.
TikTok, tarifas e protecionismo
A exigência de venda do TikTok a um proprietário não chinês, sob ameaça de banimento, exemplifica o uso do poder econômico contra a China. Em abril de 2025, Trump estendeu o prazo de venda por 75 dias, após negociações com a ByteDance, mas a pressão contínua, conforme The Washington Post (04/04/2025). A alegação de “segurança nacional” é criticada.
O senador Mark Warner destacou que tratar o TikTok como moeda de troca compromete a credibilidade americana (The Washington Post, 04/04/2025). A medida ignora a natureza global da tecnologia, refletindo uma postura protecionista que contraria a economia digital interconectada e visa limitar a influência chinesa.
Desde fevereiro de 2025, Trump impôs tarifas elevadas, com a média efetiva subindo de 2,5% para 27% até abril, a maior em um século, segundo a Wikipedia (02/07/2025). Tarifas de 25% atingiram Canadá e México, 10% a China, e 20% à Europa, com 57 países enfrentando taxas adicionais (PBS News, 03/04/2025).
Em abril, uma “emergência econômica” justificou 10% sobre todas as importações via IEEPA (White House, 02/04/2025). A China enfrentou tarifas de 145%, retaliando com 125% (Wikipedia, 27/06/2025).
Essas tarifas estão vinculadas ao dólar. Trump argumenta que a moeda está sobrevalorizada como reserva global, e tarifas a enfraqueceriam, favorecendo exportações (Wikipedia, 02/07/2025).
Contudo, Diane Swonk, da KPMG, alerta que a incerteza aumenta a volatilidade, paradoxalmente fortalecendo o dólar como ativo seguro (The New York Times, 09/04/2025). As tarifas elevaram custos em US$ 19,3 bilhões em abril 2025 (Journal of Supply Chain Management, 2025), reduziram o crescimento para 1,6% (J.P. Morgan, 08/06/2025), e incentivaram a desdolarização, com acordos em yuan entre China e Arábia Saudita.
A posse de Trump em 21/01/2025 trouxe instabilidade. Declarações como ameaças de tarifas de 50% à UE (PBS News, 03/04/2025) abalam a confiança global. Tarifas de 25% sobre aço e alumínio (J.P. Morgan, 08/06/2025) contrariam a interdependência, onde 70% das exportações mexicanas vão aos EUA. Retaliações chinesas de 34% custaram US$ 330 bilhões em exportações americanas (Tax Foundation, 02/06/2025), enfraquecendo a economia e o dólar.
Dólar como ferramenta de pressão
A centralidade do dólar permite sanções contra Rússia, China, Irã, Cuba, e Venezuela. Sanções russas reduziram seu PIB em 2% ao ano (Banco Mundial, 2023), e o embargo a Cuba custou US$ 130 bilhões (ONU, 2022).
O Irã perdeu 50% das exportações de petróleo desde 2018, e a Venezuela enfrenta crise humanitária. Restrições a empresas chinesas como Huawei ilustram o alcance dessas medidas. O controle do SWIFT, com 90% das transações passando por Nova York, isola economias, mas estimula alternativas como o sistema CIPS chinês.
O dólar, como moeda de reserva, torna-se uma ferramenta de coerção política e econômica. Sanções unilaterais limitam a soberania de nações, reforçando o poder americano, mas também impulsionam esforços para reduzir a dependência do dólar, como os acordos em moedas locais dos BRICS.
Transição para outra moeda e multilateralismo
A transição para outra moeda é viável, impulsionada por tecnologias financeiras. O yuan, com 2,8% das transações globais (SWIFT, 2024), avança com acordos de petróleo.
Uma cesta de moedas ou os Direitos Especiais de Saque (SDR) do FMI reduziria a dependência do dólar. Moedas digitais, como o yuan digital, testado em 20 províncias, são promissoras. Blocos econômicos, como os BRICS, aceleram essa mudança, que pode ser implementada com apoio multilateral.
O mundo não suporta mais hegemonias políticas. O multilateralismo, onde nações compartilham responsabilidades, é essencial. A interdependência econômica, com cadeias globais de suprimento, torna o unilateralismo obsoleto. Blocos como a AfCFTA e os BRICS refletem a demanda por cooperação. O multilateralismo promove estabilidade, reduz conflitos econômicos, e equilibra o poder, evitando abusos como sanções unilaterais.
Joseph Stiglitz defende um sistema multipolar para mitigar desigualdades (Making Globalization Work, 2006). Barry Eichengreen prevê avanços do yuan com moedas digitais (Exorbitant Privilege, 2011). O filósofo francês Thomas Piketty critica o dólar por perpetuar desigualdades, propondo uma moeda neutra (Capital no Século XXI, 2013).
O economista alemão Heiner Flassbeck sugere uma moeda comum europeia-asiática para equidade (Failed Globalization, 2019). Essas vozes reforçam a necessidade de um sistema financeiro mais justo.
Argumentos para outra moeda incluem autonomia, pois sanções limitam soberania; estabilidade, já que choques monetários americanos afetam o mundo; equidade, com países em desenvolvimento pagando juros altos em dólares; e resiliência, reduzindo riscos sistêmicos da concentração no dólar.
Moeda comum, experiência e reforma da ONU
Uma moeda comum, como um SDR reformulado, neutralizaria hegemonias. Gerida pelo FMI, facilitaria transações equitativas. Um sistema de comércio com tarifas equilibradas garantiria acesso igualitário a mercados. A cooperação global é desafiadora, mas vital para um comércio que una nações.
Durante meus 18 anos no Banco do Nordeste do Brasil, nos anos 80 e 90, gerenciando a carteira de comércio exterior, percebi que o mundo mudou profundamente, mas certos padrões persistem. A única constante é a mudança. Naquela época, o dólar dominava, mas seu uso como ferramenta política era menos evidente. Hoje, a globalização exige sistemas mais justos, e a transição para outra moeda é urgente.
A ONU precisa de reformas para cumprir sua missão de paz global, como discuti em outro artigo. Em maio de 2025, debates sobre reestruturar o Conselho de Segurança ganharam força (Reuters, 15/06/2025). Uma ONU fortalecida apoiaria um sistema financeiro multilateral, reduzindo conflitos econômicos.
Apelo por justiça
A hegemonia do dólar perpetua desigualdades e transforma o comércio em guerra geopolítica. A pressão sobre o TikTok e as tarifas de 2025 refletem uma postura protecionista incompatível com a globalização. A transição para uma moeda comum é viável e necessária.
O multilateralismo é o caminho para um mundo onde nações cooperam como iguais. A história mostra que sistemas evoluem, e o dólar pode ceder espaço. O desafio é garantir que a mudança sirva à humanidade, promovendo justiça econômica global.
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