Heba Ayyad avatar

Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

157 artigos

HOME > blog

De Ruanda a Srebrenica e Gaza, os horrores das guerras de extermínio continuam

Que farsa maior poderia haver do que uma comunidade internacional que encobre assassinos e criminosos?

Uma mulher muçulmana bósnia toca uma lápide no Memorial do Genocídio de Srebrenica em Potocari, Bósnia e Herzegovina, 8 de junho de 2021 (Foto: REUTERS/Dado Ruvic)

Na noite de 6 de abril de 1994, o avião do presidente de maioria hutu de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi abatido, matando-o. Habyarimana havia assinado, em 1993, um acordo de paz com a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), em Arusha, na Tanzânia, que incorporava a FPR ao Estado, apesar das objeções de extremistas hutus. Assim que a morte do presidente foi anunciada, unidades do Exército e da Polícia — compostas majoritariamente por hutus — foram transformadas em milícias assassinas, realizando limpeza étnica e massacres de tutsis, com a intenção de exterminá-los por completo.

Os massacres continuaram por 100 dias consecutivos, durante os quais entre 800 mil e 1 milhão de pessoas foram mortas. Estima-se que 500 mil ou mais mulheres foram estupradas. Os eventos foram classificados como genocídio, e um tribunal criminal especial foi estabelecido em Arusha, Ruanda, que julgou 93 criminosos de guerra — 62 dos quais foram condenados, incluindo o primeiro-ministro, vários ministros, oficiais e figuras da mídia que incitaram os assassinatos. Centenas também foram condenadas a longas penas de prisão em tribunais estaduais. Ao todo, cerca de 1,2 milhão de pessoas foram julgadas, sendo 150 mil condenadas em tribunais locais tradicionais.

Em 11 de julho de 1995, há trinta anos, na cidade de Srebrenica, na Bósnia e Herzegovina, mais de 8 mil homens e meninos muçulmanos bósnios foram sistematicamente separados de suas famílias por milícias sérvias genocidas. Todos foram executados e enterrados em valas comuns sob a supervisão do general Ratko Mladić. A limpeza étnica de muçulmanos na Bósnia vinha ocorrendo desde 1992, com mais de 60 mil mulheres estupradas e milhares de crianças, mulheres, jovens e idosos arrancados à força de suas casas.

Uma geração inteira perdeu seu futuro após quatro anos de massacres. O objetivo era exterminar todos os muçulmanos bósnios. Um tribunal criminal especial foi criado para julgar os criminosos de guerra. Aproximadamente 50 foram condenados, incluindo o presidente sérvio Slobodan Milošević, o líder da milícia Ratko Mladić e o presidente separatista da província sérvia da Bósnia, Radovan Karadžić.

Os massacres em Ruanda e na Bósnia chocaram a consciência da humanidade

Logo após esses eventos, iniciaram-se os preparativos para a criação do Tribunal Penal Internacional, cujo estatuto foi concluído em Roma, em 1998, e entrou em vigor em 2002. Em 2005, a comunidade internacional adotou por unanimidade o documento histórico "Responsabilidade de Proteger". A esperança era de que massacres como aqueles não se repetissem. O lema era: "Nunca Mais".

Infelizmente, os massacres continuaram a ocorrer — no Afeganistão, no Iraque, no Congo, na República Centro-Africana, em Mianmar, na Caxemira e na Palestina. O mundo mostra-se indiferente quando as vítimas são árabes, muçulmanos ou africanos, mas reage com firmeza quando são loiros e de olhos azuis, como ocorreu na Ucrânia e em Israel.

A guerra do genocídio em Gaza

As raízes dos genocídios em Ruanda, na Palestina e até mesmo na Bósnia remontam à era do colonialismo e à dominação das grandes potências sobre países pobres, impondo sua vontade às populações locais.

O Reino Unido estabeleceu a entidade sionista na Palestina às custas de sua população indígena, aliando-se à minoria judaica em detrimento da maioria árabe. Empoderou essa minoria e fortaleceu seu domínio até que ela fosse capaz de ocupar 78% das terras da Palestina e expulsar três quartos do povo palestino de suas terras e de sua pátria.

Na África, a Bélgica aliou-se à minoria tutsi contra a vontade da maioria hutu. Na formação das grandes potências, após as duas guerras mundiais, muitas minorias foram forçadas a integrar entidades nacionais contra sua vontade. Qualquer tentativa de separação, como ocorreu na Bósnia, foi suprimida.

Com os sinais do fim da Guerra Fria e a desintegração do bloco socialista, esses países começaram a ruir: a Iugoslávia fragmentou-se em sete Estados; a União Soviética, em quinze; a República Tcheca separou-se da Eslováquia; e os alemães foram forçados à reunificação.

O incidente de 7 de outubro é comparável à queda do avião do presidente ruandês Juvénal Habyarimana: ambos são considerados a faísca que desencadeou guerras genocidas, embora muitos massacres já tivessem ocorrido anteriormente — tanto em Ruanda quanto em Gaza. Ainda assim, esses dois eventos passaram a ser tratados como o início da história, ocultando ou ignorando os acontecimentos que os antecederam: 6 de abril, em Ruanda, e 7 de outubro, em Gaza.

As Nações Unidas falharam com os povos de Ruanda, da Bósnia e de Gaza. Reduziram sua missão em Kigali, retiraram-se diante das milícias de Mladić em Srebrenica e falharam em Gaza ao não proteger seus próprios funcionários, nem fornecer água, remédios ou alimentos à população civil.

Esse fracasso coletivo não foi resultado de uma simples coincidência histórica, mas sim consequência direta de políticas deliberadas, propaganda, indiferença internacional e da arrogância desenfreada de potências apoiadas por alianças externas.

Em todos esses três casos, as potências coloniais recusaram-se a reconhecer os crimes como genocídio. Os países ocidentais levaram quatro anos para admitir que o ocorrido em Ruanda foi genocídio. Somente em 2007 o Tribunal Internacional de Justiça reconheceu que o massacre na Bósnia foi genocídio — mas absolveu a Sérvia de responsabilidade direta pelos massacres.

Ainda não sabemos quando o Tribunal Internacional de Justiça se pronunciará sobre a queixa apresentada pela África do Sul, relativa aos eventos em Gaza desde 7 de outubro. Permanecem as dúvidas: será reconhecido como genocídio, ou não?

Os genocídios em Ruanda e na Bósnia tiveram um começo e um fim, e tanto o assassino quanto a vítima pertenciam ao mesmo país — não à mesma raça ou religião.

No caso de Gaza, porém, a entidade ocupante possui um dos exércitos mais poderosos do mundo, especialmente no que diz respeito à força aérea, aos drones, às aplicações de inteligência artificial e à inteligência militar.

Israel também conta com o apoio total e inabalável da potência mais poderosa e dominante do planeta: os Estados Unidos. Estes entraram na guerra completamente ao lado de Israel, fornecendo armas, equipamentos, financiamento, inteligência, tecnologia e cobertura diplomática nas Nações Unidas, utilizando seu poder de veto cinco vezes.

Some-se a isso o apoio da Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá, Austrália e outros países que se alinharam a Israel sob o pretexto do seu "direito à autodefesa".

Quanto às vítimas, são dois milhões de pessoas sitiadas desde 2007 e submetidas a uma sangrenta ocupação colonial desde 1967. Essa Faixa sitiada cobre uma área de não mais que 365 quilômetros quadrados. Após o golpe de 2013, o Egito impôs um bloqueio à Faixa de Gaza, que foi alvo de guerras em 2006, 2008–2009, 2012 e 2014, bem como de ataques durante a Grande Marcha do Retorno, entre 2019 e 2021, e durante a Batalha da Espada de Jerusalém, também em 2021.

Outra diferença entre os genocídios em Ruanda e na Bósnia e o de Gaza é a extensão da destruição. Em Gaza, 92 mil edifícios foram destruídos. Escolas, universidades, hospitais, clínicas, abrigos, geradores, estações de bombeamento de água, estradas, tendas, padarias, lojas, terras agrícolas e poços foram arrasados.

A Faixa foi transformada em um deserto sem vida, com o fornecimento de água, eletricidade, medicamentos e combustível cortado. Jornalistas, trabalhadores humanitários e funcionários da ONU foram mortos; a UNRWA foi criminalizada; e também foram assassinados trabalhadores da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, professores, estudantes e pessoas com necessidades especiais.

Mesmo assim, um colono nomeado embaixador na ONU declarou, arrogantemente, que o exército israelense era "o mais moral do mundo".

É chocante que, durante a comemoração do trigésimo aniversário do genocídio de Ruanda, em 7 de abril de 2024, o país tenha convidado o presidente da entidade sionista, Isaac Herzog, para participar. Ele depositou uma coroa de flores no memorial às vítimas do genocídio, ao mesmo tempo em que sua entidade cometia os maiores massacres dos tempos modernos desde a Segunda Guerra Mundial.

Que farsa maior poderia haver do que uma comunidade internacional que encobre assassinos e criminosos?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

Rumo ao tri: Brasil 247 concorre ao Prêmio iBest 2025 e jornalistas da equipe também disputam categorias

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Cortes 247

Carregando anúncios...
Carregando anúncios...