Das rotativas à internet — a revolução do jornalismo digital e seus ecos
Nos últimos 25 anos, o jornalismo transcendeu papel e tela, abraçando a era digital, mas enfrentando desafios de exclusão, credibilidade e dependência econômica
Numa comunidade carente às margens de São Paulo, Simone, de 12 anos, senta-se sob a luz tremulante de uma lâmpada. Seus olhos brilham diante de um tablet emprestado. Um tutor virtual, movido a inteligência artificial, guia sua leitura de uma notícia sobre mudanças climáticas. Simone não tem jornais em casa, nem TV a cabo. Mas a internet, mesmo instável, abre um portal para o mundo. Essa cena, tão simples e tão revolucionária, encapsula o que o jornalismo se tornou: um fio de esperança que conecta, informa, mas também expõe desigualdades.
O jornalismo viveu uma metamorfose radical nas últimas décadas. Deixamos as rotativas barulhentas e os telejornais rígidos, mergulhando num universo digital onde a informação pulsa em tempo real. Revistas semanais, outrora poderosas, murcham sob dívidas e sensacionalismo, enquanto portais digitais e mídias alternativas disputam atenção. Mas o que ganhamos com essa transformação? E o que perdemos? Vamos tecer essa narrativa juntos, com olhos abertos para as luzes e sombras desse novo mundo.
No início dos anos 2000, o cheiro de tinta impregnava as redações. Jornais como The New York Times e Folha de S.Paulo eram pilares da informação, suas páginas carregadas de autoridade. Então, a internet irrompeu. Segundo a UNESCO, entre 2000 e 2020, a circulação mundial de jornais impressos caiu 40%, enquanto portais noticiosos online dispararam. No Brasil, o Jornal do Brasil lançou sua versão digital em 1995, seguido por O Estado de S. Paulo e O Globo.
A transição foi turbulenta. Redações encolheram; jornalistas trocaram máquinas de escrever por teclados, e o ritmo frenético da web exigiu novas habilidades. O hipertexto, com links que convidam à exploração, substituiu a linearidade do papel. Porém, nem todos os jornais abraçaram a mudança. Alguns, como o Jornal Sul Brasil, limitaram-se a replicar o impresso online, sem explorar a interatividade da web.
A televisão, outrora soberana, sentiu o chão tremer. Em 2000, o Jornal Nacional ditava as conversas à mesa de jantar. Hoje, plataformas como YouTube e Instagram disputam essa influência. Dados do The Guardian revelam que 60% dos jovens de 18 a 24 anos preferem notícias em redes sociais a telejornais. No Brasil, a audiência dos noticiários caiu 25% entre 2010 e 2020, segundo o Ibope.
A instantaneidade da internet eclipsou a TV. Portais como UOL e G1 oferecem cobertura em tempo real, com vídeos, gráficos interativos e comentários de leitores. Mas a velocidade cobra um preço: a apuração, cerne do jornalismo, muitas vezes cede à pressa. Erros se multiplicam, e a confiança do público fraqueja.
Os portais noticiosos, como CNN e El País online, tornaram-se epicentros do jornalismo. Eles integram texto, áudio e vídeo, criando experiências imersivas. No Brasil, sites como Nexo e Poder360 inovam com análises profundas e visualizações de dados. A interatividade é a alma desses espaços: leitores comentam, compartilham, questionam.
Mas há sombras. A monetização via cliques alimenta manchetes sensacionalistas, e algoritmos priorizam conteúdos que geram engajamento, nem sempre os mais relevantes. A UNESCO alerta que a desinformação, amplificada por esses algoritmos, ameaça a democracia. No Brasil, a polarização política agrava o problema, com portais rotulados como “esquerdistas” ou “direitistas” por leitores céticos.
O ocaso das revistas semanais - Revistas semanais como Veja e IstoÉ estão em seu ocaso, frequentemente atoladas em dívidas e desprovidas do poder de influência que ostentavam há 30 anos. Esse declínio é visível a olho nu. Outrora referências no jornalismo brasileiro, sobrevivem como sombras do passado, recorrendo a capas com matérias jornalisticamente duvidosas, de cunho sensacionalista e com “furos” raramente comprováveis. Ler a manchete de capa muitas vezes esgota o interesse pela revista inteira, como se o resto do conteúdo se dissolvesse em irrelevância.
O mercado editorial reflete essa decadência. Segundo a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), a tiragem de revistas semanais no Brasil caiu cerca de 70% entre 2010 e 2020. Veja, que já ultrapassava 1 milhão de exemplares semanais em sua época áurea, hoje mal alcança 100 mil, conforme apontam posts recentes no X. IstoÉ anunciou o fim de sua edição impressa em 2025, citando crise financeira e competição com redes sociais. Essas revistas, fantasmas de sua antiga glória, lutam para manter relevância num mundo onde a informação voa mais rápido que suas rotativas.
O grito progressista na rede - Enquanto gigantes da mídia se adaptam, sites progressistas florescem como sementes em solo fértil. No Brasil, Brasil 247, Revista Fórum e Diário do Centro do Mundo lideram essa frente, priorizando pautas negligenciadas pela mídia tradicional: desigualdade, direitos humanos, meio ambiente. O Brasil 247, com sua cobertura em tempo real e análises incisivas, tornou-se referência para leitores que buscam perspectivas alternativas. A Revista Fórum aposta em reportagens investigativas e debates ao vivo, enquanto o Diário do Centro do Mundo combina textos críticos com linguagem acessível, conquistando amplo alcance nas redes.
Esses veículos, muitas vezes financiados por doações ou assinaturas, apostam na transparência. Eles nos convidam a repensar o jornalismo como resistência, não conformismo. Contudo, seu alcance é limitado. Sem o respaldo financeiro dos grandes grupos, lutam para competir com a avalanche de conteúdo nas redes sociais.
Voltemos a Simone. Seu tablet é uma janela, mas a conexão instável é um lembrete cruel: nem todos acessam o novo jornalismo. A UNESCO estima que 37% da população mundial — 2,9 bilhões de pessoas — nunca usou a internet. No Brasil, 20% das famílias não têm banda larga, segundo o IBGE.
A exclusão digital transcende a técnica; é uma barreira à cidadania. Sem informação, comunidades marginalizadas ficam à mercê de narrativas impostas. O jornalismo digital, tão promissor, pode ampliar essa fratura, silenciando vozes como a de Simone.
A passagem do analógico ao digital é uma odisseia. Na era analógica, o jornalismo era lento, caro, mas meticuloso. Hoje, é instantâneo, acessível, mas vulnerável à desinformação. A checagem de fatos tornou-se um escudo essencial. Agências como Lupa no Brasil e PolitiFact nos EUA trabalham incansavelmente para separar verdade de mentira.
A inteligência artificial, como o tutor que guia Simone, é uma aliada poderosa. Ela transcreve discursos, analisa dados, detecta padrões. Mas também é uma arma de dois gumes. Ferramentas como ChatGPT podem gerar textos falsos em segundos, desafiando a credibilidade do jornalismo. Como diz o professor Eugênio Bucci, da USP, “a tecnologia é um meio, não um fim”. Cabe a nós usá-la com ética.
A sombra dos anúncios: a linha vermelha da mídia - A mídia tradicional, incluindo jornais e revistas, há muito deixou de se sustentar por vendas em bancas ou assinaturas. A receita vem, majoritariamente, de anúncios publicitários. Um olhar atento aos anunciantes de um veículo revela uma “linha vermelha” que a política editorial raramente ousa cruzar. Investigar casos de corrupção ligados a grandes patrocinadores, expor defeitos recorrentes em marcas ou produtos anunciados, ou contrariar interesses políticos e empresariais de grupos poderosos torna-se um risco financeiro.
Essa dependência cria um jornalismo refém. Um exemplo é a relutância de grandes jornais em aprofundar denúncias contra empresas que financiam suas páginas. Segundo o Observatório da Imprensa, a publicidade representava, em 2020, até 80% da receita de grandes veículos brasileiros. Essa relação compromete a independência editorial, transformando o jornalismo num equilíbrio delicado entre verdade e sobrevivência econômica.
Um diálogo sobre o tempo e a história - Em 1972, durante uma visita de Henry Kissinger à China, o premier Zhou Enlai foi questionado sobre o impacto da Revolução Francesa de 1789. Sua resposta, enigmática, ecoa até hoje: “É cedo demais para dizer”. Anos depois, o intérprete Chas Freeman esclareceu que Zhou se referia aos protestos estudantis de Paris em 1968, não à revolução de 1789. O mal-entendido, porém, criou um mito sobre a paciência histórica chinesa. Zhou, pragmaticamente, sugeria que eventos recentes ainda não revelam suas consequências plenas.
Esse diálogo nos provoca a refletir sobre o jornalismo atual. Estamos tão imersos na velocidade da informação que talvez seja cedo para julgar o impacto da revolução digital. Como Zhou, precisamos de perspectiva para entender se o jornalismo de hoje será lembrado como um avanço ou um retrocesso.
O jornalismo, em sua essência, é um espelho da alma humana. Ele reflete nossas lutas, sonhos e falhas. Nas últimas décadas, reinventou-se, trocando o papel pela tela, a rigidez pela fluidez. Revistas minguam, portais crescem, mas os desafios persistem: desinformação, exclusão digital, polarização, dependência econômica.
Nós, como sociedade, temos uma escolha. Podemos deixar a tecnologia nos dividir, ou usá-la para unir. Que a inteligência artificial seja um meio, não um fim — uma ferramenta para levar conhecimento a Simone e a milhões como ela. Que o jornalismo, digital ou analógico, seja um fio que costura a humanidade, garantindo que a informação não seja privilégio, mas direito de todos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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