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Sergio Ferrari

Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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Condições equitativas nos jogos para todas e todos

Na Eurocopa 2025 na Suíça igualdade ainda é uma tarefa pendente

Na Eurocopa feminina, ainda está pendente a tarefa da igualdade (Foto: Divulgação )

Sergio Ferrari, de Berna, Suíça - Subestimado até poucos anos atrás, o futebol feminino está se impondo em um ritmo acelerado. O Campeonato Europeu que está sendo disputado na Suíça pode se tornar a edição de todos os recordes. No entanto, a igualdade continua sendo uma luta de longo prazo também nesse esporte.

Dezesseis seleções nacionais do continente competem de 2 a 27 de julho pela coroação no palco europeu. Algumas, como a espanhola, já têm um prestígio particular porque venceram a última Copa do Mundo Feminina, em 2023. Outras, como a Inglaterra, usam a coroa da Eurocopa anterior (ou EURO) de 2022. Também uma grande líder de torcida, a Alemanha, quase hegemônica em nível continental, com 8 dos 13 títulos de campeã europeia desde que essa competição começou, em 1984, no nível feminino, também tem duas medalhas mundiais, em 2003 e 2007. Sem esquecer a própria Noruega, uma verdadeira referência há muito tempo na especialidade, com dois prêmios continentais e um mundial em seu crédito. No ranking feminino da FIFA (Federação Internacional de Futebol), a Espanha está em segundo lugar, atrás dos Estados Unidos. A Alemanha é a terceira, logo à frente do Brasil, enquanto a Inglaterra é a quinta. Com a Suécia em sexto e a França em décimo, o Velho Mundo é hegemônico, por enquanto, no campo do futebol feminino.

Recordes explodem

A Suíça disponibilizou seus principais estádios para esse novo Campeonato Europeu. Basileia, com mais de 38 mil lugares; o Wankdorf, em Berna, que nas três partidas que já sediou conseguiu reunir 30 mil espectadores em cada, e os de Genebra e Zurique, pouco menores que o da capital. Um pouco menores, os de St. Gallen, Lucerna, Zion e Thun.

De acordo com a União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), mesmo antes do início dessa competição, já haviam sido vendidos cerca de 600.000 ingressos -quase 90% do total disponível- para as 31 partidas. Um recorde na história dessa competição, com particular significado dado que a Suíça tem menos de 9 milhões de habitantes. Um recorde que pulveriza o do EURO anterior, na Inglaterra, com uma população seis vezes maior que a da nação alpina, e significa um grande salto no público que parece dar razão à política de preços de ingressos relativamente "baratos", entre 26 e 42 euros (30 e 49 dólares).

Em consonância com essa tendência de aumento de espectadores nos estádios e telespectadores em todo o mundo, dessa vez a UEFA distribuirá 41 milhões de euros (US$ 48 milhões), bem acima dos 16 milhões de euros (quase 19 milhões de dólares), em 2022. Valores notáveis e, no entanto, apenas uma sombra dos 330 milhões de euros (386 milhões de dólares) que essa mesma entidade distribuiu no ano passado entre as 24 federações que participaram no último EURO masculino, na Alemanha. (https://es.uefa.com/womenseuro/news/029a-1e17ead43748-3e2b92dee4ad-1000--record-de-premios-en-la-euro-femenina-de-la-uefa-2025/).Os 130 milhões de euros (US$ 152 milhões) que a Eurocopa gerará para a Uefa também significarão um recorde. De acordo com o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung (NZZ), esse valor representa o dobro dos ganhos do torneio anterior na Inglaterra e dez vezes mais do que os da edição de 2017 na Holanda.O entusiasmo que a competição continental desencadeia no público é evidente. No domingo, 6 de julho, pouco antes da partida entre Suíça e Islândia na cidade de Berna, a torcida local encenou uma caminhada pelo centro histórico até o estádio Wankdorf, com mais de 15 mil participantes. Essa marcha também estabeleceu um recorde nacional para esse tipo de esportes com sotaque feminino. Segundo o NZZ, esses números comprovam o interesse popular por essa competição internacional, algo que não acontece quando se trata das ligas nacionais. "A Superliga Feminina suíça", observa o jornal NZZ, "está em relativa obscuridade, praticamente ignorada pela imprensa e pelo público". Exemplo disso foi a última final suíça, no dia 17 de maio, entre as equipes femininas do Young Boys Bern e do Grasshopper Zurich no mesmo estádio, com um público de apenas 10 mil pessoas. Apenas sete semanas depois, cerca de 30.000 pessoas se reuniram lá para a partida em que a seleção suíça derrotou a Islândia por 2 a 0 na fase de grupos, eliminando-a do torneio.

Outros tempos

Franziska Schild (47 anos) trabalhou no setor de futebol da Associação Regional de Berna-Jura e hoje dirige a seção feminina do Young Boys da capital, um dos clubes mais importantes do país. Ele jogou futebol no mais alto nível em sua juventude e foi membro da seleção suíça várias vezes por volta de 2000. Em uma entrevista recente com a jornalista Theodora Peter, publicada pela revista Panorama Suíço, Schild lembra que naquela época o futebol feminino ainda era muito amador: "Eles nos davam [apenas] uma passagem de trem para a viagem e dois pares de chuteiras por ano". Por outro lado, as jogadoras de futebol usavam as camisas que seus colegas da seleção masculina já haviam usado antes, que pareciam de forma pouco estética em seus corpos, já que as camisas específicas para atletas femininas ainda não existiam. Naqueles anos, lembra Schild, o futebol feminino, às vezes, era ridicularizado, "mas não nos importávamos com o que as pessoas diziam; só queríamos chutar a bola."

O mesmo clube Young Boys, cuja primeira equipe feminina venceu o recente campeonato nacional, há apenas dez anos decidiu não investir no futebol feminino por considerá-lo não lucrativo. Os tempos, as concepções e as estratégias mudaram rapidamente, como evidenciado pela decisão do clube de destinar 40 milhões de francos (US$ 50 milhões), quase todo o lucro obtido em 2024, com sua participação na Liga dos Campeões, para a construção de um local e centro esportivo essencialmente para jogadoras de futebol e para jovens.

Da mesma forma que aconteceu na Inglaterra com o impacto multiplicador do Campeonato Europeu em 2022, a Associação Suíça de Futebol (ASF) considera o atual campeonato continental como um trampolim para o futuro para promover o futebol feminino. Até 2027 pretende duplicar o número de jogadoras em todas as idades, que passaria de 40 mil para 80 mil, e pretende aumentar significativamente o número de clubes, especialmente ao nível de pequenas cidades e regiões, que incorporam um setor especial dedicado ao futebol feminino na sua atividade. Atualmente, as mulheres representam apenas 12% das cerca de 340 mil pessoas de todas as idades e sexos inscritas em inúmeras equipes no país. A ASF procura também a curto e médio prazo aumentar o número de organizadoras, árbitras e treinadoras em todo o país.

Igualdade, uma tarefa pendente

O Campeonato Europeu que está sendo disputado na Suíça reúne grande parte das jogadoras mais famosas e entre as mais bem pagas do planeta. Algumas das equipes mais destacadas da Europa alimentam as equipes que chegaram à Suíça: o Barcelona contribui com 17 jogadoras, o Bayern de Munique com 16, a Juventus e o Chelsea com 14 membros de seu elenco, enquanto o Arsenal e o Eintracht Frankfurt "emprestam" 10 de suas jogadoras.

Apesar de não ter números realmente oficiais e atualizados, no ano passado o jornal esportivo espanhol As já mencionava a jogadora do Barcelona, Aitana Bonmatí, à frente dos salários do continente, com cerca de um milhão de euros por ano (1,17 milhão de dólares). A sua compatriota e companheira de equipe, Alexia Putellas, 700 mil euros; a australiana Sam Kerr, do Chelsea, 538 mil euros; a inglesa Keira Walsh, também do Chelsea, 457.000, e a norueguesa Ada Hegerberg, do Olympique Lyonnais e capitã de sua seleção, 398.000. São números que parecem enormes, mas que são relativizados no grande mundo dos negócios do futebol e nos salários astronômicos de seus colegas homens.

Por exemplo, a renda anual de vários jogadores do Barça, como Robert Lewandowski, cujo salário é de cerca de 33 milhões de euros, enquanto o de Frenkie De Jong é de 19 milhões, e o do jovem astro Lamin Yamal, 17 milhões logo após completar dezoito anos. Ainda bem acima, os 55 milhões do jogador do Real Madrid, Vinicius Jr,. ou os 90 milhões de seu companheiro de equipe Kyliam Mbappé.

Embora seja quase impossível falar sobre números exatos e diferenciar salários de receitas adicionais, bônus e contratos de publicidade com grandes empresas, o site Statista, que retoma informações da Forbes, calcula que a receita total dos dez jogadores mais bem pagos do mundo na temporada 2024-2025 é de cerca de 840 milhões de euros (cerca de 983 milhões de dólares). Em primeiro lugar na lista está Cristiano Ronaldo, seguido por Messi, Benzema, Mbappé, Neymar, Haaland e Vinicius Jr.

Longe do micromundo salarial das estrelas femininas e ainda mais distante do das celebridades masculinas, a realidade cotidiana de milhares de jogadoras de futebol é diferente. Como aponta um relatório da FIFA de março 2025, o salário médio anual das jogadoras, se todos os países forem levados em consideração, é de cerca de 9.300 euros (US $ 10.900). No entanto, essa média não leva em conta que apenas dezesseis dos clubes mais ricos de sete países pagam a suas jogadoras cinco vezes mais do que isso, aproximadamente 42.700 euros (US$ 50.000) por ano paa cada uma. Na realidade, o salário médio da grande maioria das jogadoras em todo o mundo é de 5.125 euros (cerca de US$ 6.000) por ano e, em muitos casos, ainda enos.

Os estádios suíços repletos de torcedores entusiasmados e motivados não conseguem esconder várias contradições atuais no mundo do futebol. A primeira, significativa: a enorme distância entre a renda das estrelas masculinas e a das celebridades femininas (30, 40, até 50 vezes).

A segunda, essencial: os salários tremendamente baixos da grande maioria das 13 milhões de jogadoras de futebol em todo o planeta.

A terceira, existencial: aquela que leva a uma reflexão aprofundada sobre o modelo mais equitativo e lógico que deve orientar o desenvolvimento acelerado que o futebol feminino está experimentando na Europa e em outras regiões do mundo. Se a bússola desse crescimento consistir, em nome da igualdade, em competir com o futebol masculino simplesmente para conquistar uma fatia maior do mercado, isso só aumentará a tendência desse esporte como grande negócio em poucas mãos. E nesse cenário, a maioria das 13 milhões de mulheres inscritas em alguma equipe continuará, como tem feito até agora, com salários de fome.

Tradução: Rose Lima

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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