Caos global
Trump anuncia cessar-fogo. Mas quem confia na paz dele?
Vivemos em um tempo em que o mundo parece ter saído dos trilhos. Guerras explodem, democracias desmoronam, a natureza grita e a humanidade parece surda. Junho de 2025 se revela como um ponto de inflexão: ou reconhecemos o caos e reagimos, ou nos deixamos engolir por ele.
O planeta ferve - O termômetro sobe, mas é a geopolítica que está em combustão. Israel atacou o Irã. O Irã revidou. Os Estados Unidos, sob o segundo mandato de Donald Trump, voltam a liderar com ameaças, não com diplomacia. A Rússia fortalece seus laços com a China, enquanto a Europa hesita entre o medo e a irrelevância. No meio disso tudo, o sistema multilateral, criado para evitar exatamente esse tipo de conflagração, parece uma peça de museu.
Não é só o Oriente Médio que arde. A Ucrânia segue em guerra, o massacre em Ganza permanece, a tensão no Mar do Sul da China se intensifica, Taiwan está no centro de uma disputa que pode virar conflito aberto a qualquer momento. E os BRICS - agora mais fortes, com Emirados Árabes, Indonésia, Irã, Egito, Etiópia -, sinalizam que o mundo unipolar já acabou. O problema é que nada está pronto para ocupar esse vazio.
A democracia sangra - A ascensão da extrema direita não é mais uma onda, virou maré alta: Trump, Meloni, Milei, Orbán, Netannyahu. A lista cresce. Em comum, desprezo pelas instituições democráticas, pela mídia, pelos direitos humanos e pelo meio ambiente. O discurso do ódio se normalizou. A mentira virou estratégia de governo. O algoritmo é o novo soberano.
As redes sociais — que prometiam democratizar o debate — tornaram-se fábricas de desinformação. A inteligência artificial, em vez de iluminar, está sendo usada para confundir. Quem comanda essa guerra de narrativas? Quem lucra com ela?
A Amazônia, o Sahel e a Antártida: trincheiras do colapso ambiental - Enquanto as grandes potências jogam xadrez com tanques e mísseis, o tabuleiro ambiental está ruindo. O desmatamento ainda avança no Brasil, no Congo, na Indonésia. A Amazônia, antes um escudo climático, caminha para o ponto de não retorno. A seca extrema já atinge São Paulo, Johanesburgo, Assunção e Damasco. Milhões vivem entre a falta d’água e o excesso de calor.
E, mesmo assim, os combustíveis fósseis seguem subsidiados. As promessas feitas nas COPs viraram pó. E a próxima COP, ironicamente, será em Belém do Pará, coração da floresta ameaçada. Será apenas mais uma conferência de discursos vazios?
O caos tem rosto - O caos não é abstrato. Ele vive nos corpos dos imigrantes empurrados de volta ao mar. Nas mulheres afegãs proibidas de estudar. Nos jovens negros assassinados por polícias militarizadas. Nos trabalhadores explorados por aplicativos. No jornalista exilado. Na criança síria que dorme em ruínas. No Ianomâmi que morre de fome em uma terra rica em ouro ilegal.
Enquanto isso, os bilionários escapam para ilhas ou para o espaço. As corporações lucram com guerras, doenças e colapsos. A desigualdade não é só uma injustiça: é uma bomba relógio.
Mas o caos não é destino. É projeto - E, por isso mesmo, pode ser enfrentado. O primeiro passo é nomeá-lo. O segundo é entender que a saída não virá das potências que o alimentam, mas dos povos que resistem.
Brasil, África do Sul, Indonésia, Índia, México — as vozes do Sul global precisam deixar de ser coadjuvantes no drama do século XXI. A proposta do BRICS de uma nova ordem internacional deve ser levada a sério. Uma ordem que enfrente a crise climática com justiça social, que defenda a soberania sem autoritarismo e que recoloque a paz no centro da política internacional.
A alternativa ao caos não é a volta ao passado, mas a invenção de um futuro.
Trump anuncia cessar-fogo. Mas quem confia na paz dele? - Donald Trump acaba de anunciar por meio de um tuite um cessar-fogo entre os Estados Unidos/Israel e o Irã. A trégua começaria pelo Irã e após 12 horas por Israel como se decretasse o fim de um pesadelo com a mesma facilidade com que tuita uma provocação. Mas alguém ainda acredita nisso? Um gesto que ele quer vender ao mundo como prova de sua genialidade estratégica, de sua capacidade de impor paz com força. Mas sejamos honestos: cessar-fogo não é paz. É pausa. E, neste caso, uma pausa sob ameaça.
O presidente estadunidense declarou que “os objetivos foram cumpridos” e que “não há mais necessidade de continuar as hostilidades”. O que ele não disse é que o mundo está em pânico, que aliados pressionaram por contenção, que o risco de uma guerra generalizada era real — e que ele estava prestes a ser responsabilizado por isso.
Cessar-fogo ou trégua para as eleições? - Estamos em junho de 2025, ano pré-eleitoral nos EUA. Trump não quer uma guerra sem fim, quer uma narrativa. E a narrativa de “eu ataquei e agora trouxe a paz” é perfeita para seus eleitores e para a indústria da propaganda que o cerca. Mas a realidade não se molda à vontade de um só homem. O Irã já declarou que o cessar-fogo não encerra o conflito, apenas adia sua próxima fase. O Hezbollah permanece mobilizado. A Síria está em alerta. A Arábia Saudita mantém silêncio calculado.
Cessar-fogo não apaga cadáveres. Nem reconstrói cidades - As bombas caíram. Pessoas morreram. Infraestruturas civis foram atingidas. A economia iraniana, já pressionada por sanções, sangra. E o mundo muçulmano vê, mais uma vez, a lógica imperial se impor a tiros, seguida por um pedido cínico de calma.
Trump não age sozinho. Age dentro de uma lógica que naturalizou a guerra preventiva, o desprezo ao direito internacional e o monopólio da violência como instrumento diplomático. O cessar-fogo anunciado hoje não é um presente à humanidade — é uma tentativa de reposicionar os EUA como árbitros do caos que eles mesmos provocaram.
E o Sul Global? Vai seguir aplaudindo ou vai falar? - É hora de posicionamento. Brasil, Índia, África do Sul e outros membros dos BRICS precisam transformar indignação em ação. O multilateralismo só sobrevive se for exercido. Se houver silêncio agora, ele será interpretado como consentimento.
A proposta de uma nova governança global — mais justa, menos armada e menos refém das potências tradicionais — precisa sair dos discursos e ganhar os palcos da diplomacia. Belém, sede da COP 30, pode ser o símbolo desse novo protagonismo. Mas só se for usada com coragem política.
Trump anunciou o cessar fogo, mas quem garante que ele respeitará?
A pergunta não é retórica. O histórico do presidente mostra que sua palavra vale apenas enquanto for conveniente para ele. Os acordos internacionais que rasgou, as alianças que traiu e os tratados que abandonou mostram que o cessar-fogo de hoje pode virar o estopim de amanhã.
Portanto, o mundo precisa mais do que anúncios. Precisa de garantias. Precisa de instituições fortalecidas. Precisa de lideranças que falem por todos — não apenas por seus arsenais.
A guerra de “Doze Dias” não acabou. Recuou para tomar impulso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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